segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Método da Teologia Prática

Casiano Floristan, Teologia Pratica. Teoria y Praxis de la Accion Pastoral,
Ediciones Sígueme, Salamanca, 1993, pp.193-211
Parte I
Resumo do artigo

A teologia é uma teoria, um discurso reflexivo (logos), que requer sempre uma prática (praxis). Por isso, a teologia tem necessariamente uma relação com a realidade social: pretende ser uma orientação para a sua evolução natural. Isto funda-se no próprio mistério da encarnação: Deus enviou o próprio Filho, que encarnou na pessoa de Jesus, num determinado momento cronológico e numa história concreta, para revelar o Deus-Amor e instaurar o Reino de Deus.
Por causa deste carácter de historicidade, urge a necessidade de um método para a teologia, pois ela tem a missão de conhecer a realidade humana (historicidade) e apontar os caminhos do Reino de Deus. Por método entenda-se aqui “um conjunto de normas e procedimentos válidos para ensinar, aprender e concretizar algo.”
Deste modo, a teologia é concebida então como ciência, na medida em que é a ciência da palavra de Deus revelada em Jesus Cristo e aceitada como norma de fé, na correlação ou no confronto com a experiência histórica humana. Resumindo, a teologia move-se em dois pólos: a revelação de Deus e a experiência humana, tendo como referência a Sagrada Escritura (a objectivação textual da revelação de Deus).
Por conseguinte, a teologia comporta quatro dimensões: dimensão bíblica (a Sagrada Escritura como ponto de partida da reflexão teológica), dimensão histórica (pois tem em conta as três dimensões do tempo da história: passado, presente e futuro), dimensão sistemática (a interpretação da experiência de fé, conceitos e símbolos, leva à ramificação da teologia em fundamental, dogmática e moral) e dimensão prática (necessidade de uma hermenêutica sócio-histórica da trama humana).
Posto isto, Casiano Floristan apresenta dois pressupostos necessários para todo o método da teologia prática: a hermenêutica, interpretação da realidade humana segundo a dinâmica da fé cristã; e a reflexão, apontar caminhos de fé para a própria Igreja, a sociedade e o Homem.
Depois de uma análise aos métodos da correlação, nomeadamente o método presente na Gaudium et Spes (ver, julgar e agir) e o método empírico-crítico de M. Midali (fase kairológica, fase projectiva e fase estratégica), Floristan propõe um outro método como alternativa destes.
Desta forma, este método comporta três momentos: observação pastoral, interpretação pastoral e planificação pastoral.

1.     Observação pastoral
A observação é um processo mais difícil do que se julga. Em primeiro lugar, a realidade social em si não é tão nítida de ser observada, e em segundo lugar, todo o observador acarreta consigo determinados pré-conceitos culturais, sociais, familiares e pessoais, que condicionam a verdade da realidade observada.
Por isso, Floristan considera que a observação não se pode cingir a um momento único, mas que engloba vários níveis: observação espontânea, que consiste na recolha de certas atitudes, comportamentos e modelos de vida; observação guiada, na qual se utilizam técnicas para se compreender os sistemas de comunicação e as estruturas de poder da realidade observada; observação crítica, na qual se observa valores, símbolos, mentalidades e ideologias patentes.
Em suma, para se desenvolver uma observação há que estudar a base ideológica (valores, normas e acções), o horizonte simbólico (imagens globais) e a filosofia das instituições (princípios que coordenam a evolução social).
A esta observação primária, sucede-se então a observação pastoral, ou seja, uma observação segundo os indicadores teológicos. Neste sentido, o autor apresenta seis perguntas que coordenam este tipo de observação: onde (lugar), quando (momento cronológico), quem (sujeitos da realidade observada), o quê (experiências concretas), como (quais os objectivos a atingir) e o porquê (avaliação das experiências analisadas).

2.     Interpretação pastoral
A interpretação pastoral consiste num diagnóstico da experiência observada, a qual comporta uma análise de conteúdos e a dedução de sentido. No fundo, pretende-se verificar a autenticidade cristã ou a qualidade evangélica da identidade cristã, a significação testemunhal, a experiência religiosa de Deus, as relações comunitárias, as condutas éticas e os compromissos sociais.
Desta forma, o autor defende que a realidade histórica é, paradoxalmente, o ponto de partida e o ponto de chegada da reflexão hermenêutica da teologia. Por outras palavras, a hermenêutica teológica parte da análise da realidade, confronta-a com a Sagrada Escritura (valores do Reino de Deus), e projecta um outro sentido/forma para essa mesma realidade. A este processo o autor denomina de circulação hermenêutica, na medida em que a acção pastoral está numa contínua interpretação e projecção teológica.

3.     Planificação pastoral
“Planificar é pensar num futuro imediato.” O plano pastoral é um processo, basicamente evangelizador, que leva à concretização da mensagem cristã através da elaboração de um programa operativo, subordinado a alguns objectivos. Em suma, trata-se de “re-edificar” (actualizar) o ideal da Igreja cristã num determinado lugar.
Como tal, é necessária uma equipa de planificação, composta por pessoas que representam todos os grupos da comunidade cristã em questão. A esta equipa compete a elaboração do projecto pastoral que poderá sofrer várias alterações até ao projecto final. Por fim, todo o plano pastoral deve ter a duração de pelo menos de 3 anos. Deste modo, este momento do método pastoral comporta 5 fases.
Se no momento anterior havia uma análise meramente social, agora exige-se uma análise com carácter religioso. Recorrendo a todos os instrumentos científicos, pretende-se conhecer a história recente daquela realidade em estudo, os condicionamentos económicos, as correntes culturais, os movimentos políticos, os factores sociais e ideologias.
A esta análise urge fixar os objectivos da acção pastoral, quer a nível paroquial, arciprestal, diocesano ou nacional.
Em seguida, compete coordenar o papel dos agentes pastorais, sempre segundo uma linha eclesiológica de colegialidade (participativa) e comunhão (grupo). Além disso, toda a planificação pastoral deve estar sob orientação do bispo diocesano (LG 27), na qual devem participar activamente os presbíteros, religiosos e leigos.
Este plano deverá ser adaptado às circunstâncias concretas da realidade humana em questão. E periodicamente deve-se fazer a avaliação do mesmo, pois esta ajudará a corrigir e melhorar o próprio plano.
Concluindo, todo este método só terá sucesso com a participação e corresponsabilidade de todos, dentro de um estilo autocrítico e democrático.


Parte II
Comentário pessoal

Depois da análise do texto de Casiano Floristan, considero importante a pertinência do seu método. Aliás, trata-se de um método que vai na linha do de M. Midali.
Ora, perante o insucesso declarado dos métodos dedutivo e indutivo, Floristan coloca o “momento da reflexão teológica” simultaneamente em todo o processo teológico. Assim, supera o carácter utópico do método dedutivo, o qual partia dos dados teológicos e aplicava-os a priori à acção pastoral, e do carácter ateísta do método indutivo, o qual partia da análise dos dados sem uma observação de teor teológico (sinais dos tempos). Portanto, em ambos os métodos havia uma relação binária entre Teologia e Pastoral.
Neste sentido, o método de Floristan prima por colocar o momento teológico, nem no princípio nem no fim do método pastoral, mas no momento central. Ou seja, a análise da realidade é submetida/confrontada com os dados teológicos, e depois dessa confrontação é projectada a situação pastoral desejada, tendo sempre por base esses mesmos dados (circulação hermenêutica).
Contudo, não se entende o porquê de Floristan propor uma outra análise no início do momento da planificação pastoral, quando essa análise já foi feita no fim do momento da observação pastoral.
Abordando agora o instrumento de trabalho “Repensar juntos a Pastoral da Igreja em Portugal” da Conferência Episcopal Portuguesa, notamos claramente alguns traços do método de Casiano Floristan. Assim, depois de uma análise meramente pastoral, onde apresenta aspectos negativos (congressos sem efeitos pastorais, documentos da CEP esquecidos, catequese infrutífera, falta de formação…) e positivos (participação laical, novos movimentos…), e da proposta para “uma nova maneira de ser Igreja (formação, nova evangelização e re-organização das comunidades cristãs), o documento convida os agentes pastorais a fazerem uma leitura teológica da realidade, no intuito de discernir quais os sinais de Deus patentes e respectivos desafios para a missão pastoral.
Contudo, esta proposta da CEP (propor um mesmo plano pastoral a nível nacional) entra também em divergência com o método de Floristan. Ora, este autor exige um estudo sério da realidade à qual se aplicarão os dados teológicos, pois o sucesso do plano pastoral dependerá da sua adaptação à realidade em análise, na medida em que procura dar resposta às suas exigências pastorais.
Neste sentido, e dada a grande disparidade pastoral no nosso país, será que um mesmo plano poderá dar resposta simultaneamente a todas as exigências/desafios pastorais? Aliás, a maioria dos cristãos, à imagem do que acontece na sociedade/política/economia/cultura, cinge-se ainda a um centralismo religioso do Patriarcado de Lisboa. Por isso, será igual propor um mesmo plano pastoral para as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, para as regiões desertificadas e iletradas do interior, para a região turística do Algarve e para e região tradicionalista do Norte? Não terá cada região experiências, carismas e dinamismos diferentes? Não será necessário atender também ao paradoxo globalizacional?
Deste modo, não será mais apropriado fazer previamente um plano pastoral, a título experimental, para cada uma das regiões das três Arquidioceses do país, e só depois avançar para um programa a nível nacional?
Assim sendo, considero muito pertinente e importante a proposta de uma pastoral comum para a Igreja em Portugal, pois fomentará ainda mais a colegialidade, comunhão e a partilha de reflexões sobre um mesmo projecto de evangelização, o que fará com que ele se enriqueça. Contudo, apenas julgo que o método para tal precise de ser previamente experimentado a nível regional.

MITP, José Miguel Cardoso


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