segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

 Metodologias em Teologia Pastoral
Resumo do capítulo VII: Metodologia na Teologia Pastoral,
in José da Silva Lima, Teologia Prática Fundamental. Fazei Vós, Também,
Universidade Católica Editora, Lisboa 2009, pp. 275-308.
Parte I: Resumo do artigo
 
Nas últimas décadas, a Igreja tem dialogado imenso com as Ciências Sociais e Humanas (Sociologia, Psicologia, História, Ciências da Educação…) as quais ao longo tempo foram aperfeiçoando os saberes específicos e avançando tecnicamente a nível de metodologias. Como tal, a Teologia Prática tem acompanhado esta evolução, estando em constante diálogo, como parceira que dá e recebe, que critica e aprende.
Assim, neste capítulo temos uma reflexão sobre as metodologias em Teologia Prática, apurando um sistema variado de técnicas de investigação surgidas noutras áreas do saber apropriadas à investigação das práticas eclesiais na construção da Igreja. Abordam-se assim os métodos mais clássicos, chegando às propostas mais recentes nesta área da Teologia.

1.      Da dedução à indução. Um novo ponto de partida
O método dedutivo foi o método predominante até ao Concílio Vaticano II. Usava-se um método dedutivo no sentido de inscrever nas práticas concretas a razão teológica das fórmulas dogmáticas.
Por isso, a teologia prática era concebida como conclusão de todo um conjunto de saberes teológicos. Havia assim um fosso entre a reflexão teológica e a prática eclesial, na medida em que se fazia um estudo independente, ignorando os contextos, crises e expectativas do mundo em que se situava a Igreja. Neste sentido, este método pecava pelo carácter homogéneo: pressuponha a realidade como sendo toda ela homogénea, quando na verdade ela é bastante heterogénea. E consequentemente, a teologia prática era considerada de segundo plano.
Por seu turno, o método indutivo foi um método adoptado pelo Vaticano II e posterior reflexão teológica, por influência das Ciências Humanas e Sociais. Portanto, constitui-se um novo ponto de partida: das experiências concretas (heterogeneidade do real), da sua análise e hermenêutica, para dar pertinência à leitura teológica que delas se pode fazer. Um contributo importante foi a Teologia da Libertação (na leitura da situação dos pobres e desfavorecidos).
Este novo ponto de partida (dados empíricos) gerou um diálogo entre a Teologia e as Ciências Humanas e Sociais, evitando assim diagnósticos idealistas, um dos perigos do método dedutivo. Contudo, este método corre o perigo de, senão pressupor os dados da fé, levar a orientações inadequadas.

2.      Método da correlação
O facto de o método dedutivo e indutivo terem o carácter demasiado linear (o que varia é apenas o ponto de partida, porque o esquema é o mesmo), pecam por haver apenas uma fase de carácter teológico.
Desta forma, Marc Donzé propõe um outro método no intuito de ultrapassar a linearidade dos métodos mais clássicos: método da correlação. Segundo o autor, este método comporta cinco momentos: percepção das práticas problemáticas e das questões que elas colocam; análise crítica destas num vínculo com as aquisições das ciências humanas; correlação (relação prática entre o dados empíricos e os da revelação); fase de projecto, onde se procura encontrar cenários para um agir pastoral adequado; e verificação que permitirá avaliar a pertinência do projecto. Resumindo, chama-se de correlação pois articula as duas etapas de teor analítico com as duas de teor teológico.
Nesta linha, Gagnebin afirma que é necessário ultrapassar um esquema binário de relações entre a teologia e a prática, para que encontre fora destes elementos a realidade que os fundamenta, que seria, segundo o autor, o Espírito, pautando assim um carácter teológico a todo o processo metodológico.
Nesta lógica, a teologia prática não fica reduzida às deduções lógicas, podendo interpretar de forma crítica a realidade, sempre sem a desfazer ou dispensando Deus. Este procedimento tem como objectivo a acção pastoral: para este objectivo, concorrem quer os dados da doutrina quer os dados empíricos, e uma vez conjugados os princípios da doutrina da Igreja com as situações relevantes que são interpretadas, emergem daí as orientações práticas.
Todavia, para M. Midali este método conjugativo não é muito satisfatório, pois ao tentar conciliar a doutrina com os dados empíricos pode-se minimizar ou adaptar, de uma parte ou de outra, os dados de análise ou os princípios críticos.
Copulativamente, há um outro método a referir: ver, julgar e agir. Trata-se do método que tem sido mais aplicado nas últimas décadas, o qual tem por base a prática da correlação e fundado no modelo de revisão de vida da JOC (centrar-se num facto de vida, interpretá-lo à luz da fé e assumir um comportamento de conversão). Por isso, este método assenta num triplo momento: observação pastoral (ver), interpretação pastoral (julgar) e acção pastoral (agir).
O primeiro momento assenta numa leitura profunda da realidade, só possível com o auxílio dos outros ramos do saber, onde se estudará: os valores, ideologias, contextos… da realidade (análise em profundidade). No segundo momento faz-se um juízo crítico da realidade estudada à luz do Evangelho, procurando responder à questão: “que diz Deus à Igreja por meio daquilo que acontece?” O último momento assenta num conjunto de orientações a serem postas em prática em ordem à transformação da realidade (parte de uma praxis para chegar a outra praxis), ou seja, traçando pistas de acção de acordo com o plano de Deus (concretização do Reino de Deus).
Quanto à unidade do método, o primeiro e o segundo momento visa uma análise e interpretação da realidade, possibilitando uma apurada atenção às realidades que se modificam. O segundo e o terceiro momento visam colocar em prática o conjunto de interpelações que o mundo suscita. O primeiro e o terceiro momento requerem o diálogo com as Ciências Humanas e Sociais para uma correcta acção.
Por fim, um outro método a abordar, é o método do caminho empírico-crítico. Trata-se também de uma outra modalidade de conjugação (correlação) entre Dedução e Indução, proposto por Poling e Miller, apresentado um caminho metodológico em seis etapas: descrição da experiência vivida; compreender a atenção crítica à prospectiva e aos interesses; definir a prática da correlação de prospectivos entre cultura e tradição cristã (apresentar as razões da esperança cristã, no mundo cultural de hoje); interpretação do sentido e valor dos dados das etapas anteriores; hermenêutica da própria comunidade; orientações de acção para dar um novo rosto à comunidade. Neste sentido, a teologia prática surge neste método como o ponto de encontro entre a Teologia e as Ciências Humanas.
3.      Métodos de teor projectivo e de discernimento
Como tentativa de superar as limitações dos métodos precedentes, Midali apresenta um outro itinerário metodológico onde tenta integrar de forma unitária e articulada os elementos dos métodos precedentes tendo em conta as sugestões experimentadas na área do âmbito euro-americano. Chama a este método o itinerário metodológico de teor: empírico, pela análise das práticas vigentes e pela procura de práticas renovadas; crítico-hermenêutico, pela interpretação das práticas e pelas metas e estratégias que propõe; teológico, pois há um foco de luz de fé que orienta as três fases; e projectivo, pois tem como finalidade reprojectar praxis renovadas e reorientadas (projectar uma praxis mais adequada e actualizada).
Para C. Floristán, este método é uma adaptação campo da pastoral do método de revisão de vida, construindo também o método em três fases elaboradas teologicamente: a kairológica (análise avaliativa das situações concretas), projectiva (enquanto projecção da praxis desejada) e a estratégica (enquanto programação da passagem a efectuar entre as situações dadas e as desejadas.
Esta proposta comporta três novidades históricas: propõe uma metodologia teológica de inicio ao fim; a proposta é inovadora na própria reflexão ao aplicar o conceito de projecto e fazendo do seu carácter projectivo uma dimensão que o integra nas três fases e é uma proposta informalmente pneumatológica. Contudo, peca por ser meramente aplicativo (aplicar teologia).
Outra proposta sobre a metodologia em teologia prática é o método do discernimento teológico pastoral de Sergio Lanza. Ele está convencido que a projectualidade e o discernimento constituem as estradas mestras sobre as quais se dinamiza o renovamento da comunidade cristã. Por isso, desenvolve um reflexão teológica sobre o processo metodológico como “discernimento”. Toda a sua reflexão (e respectiva novidade) visa ser uma porposta à edificação da comunidade cristã.
Neste sentido, ele começa por criticar os métodos pastorais vigentes os quais sofrem de uma utopia tradicionalista, pretendendo reproduzir constantemente o passado, ignorando a novidade, e de uma utopia futurista, desligada do passado. Logo, o método dedutivo e indutivo eram insuficientes e estavam centrados numa ilusão positivista e/ou futurista.
A originalidade do método de Lanza, que está próximo do método projectivo de M. Midali, assenta no discernimento, como uma qualidade específica presente nos três momentos do método, e não em apenas um: análise e avaliação; decisão e projecção; actuação e verificação. Lanza apresenta assim uma teologia do discernimento: o discernimento como uma leitura cristológica (vinculado à sabedoria da Cruz) da realidade sob influxo do Espírito Santo. Portanto, mais do que uma aplicação, assenta na acção e na compreensão.
Relativamente às características deste método, o discernimento compreende a comunhão (o discernimento é um trabalho exercido no dinamismo da comunidade); como acto teologal, o discernimento implica a conversão; e compreende ainda a “maturidade sapiencial”, pois para se discernir é necessária uma atitude profética (que lê num panorama temporal) e sábia (ler em profundidade). Todo o discernimento implica o testemunho da caridade.
No que concerne aos critérios, o discernimento como caminho para a renovação integra os seguintes: o discernimento faz-se no fio de uma memória histórica (é um acto de tradição); há um quadro antropológico-cultural, onde se explica a referência eclesial; está ligado à comunhão e ordenado à edificação comum (perspectiva diaconal e de responsabilidade); é operativo, pelas orientações que fornece, gradual, pois as acções que faz emergir não são automáticas mas de tipo peregrinacional, aberto e dinâmico, na medida em que não cai em absolutos e respeita a liberdade, como lugar criacional.
Quanto às fases, este método engloba cinco “questões”: questão (primária), visa a formulação de questões pertinentes para a projecção pastoral; questão rezada (oração), escutar os apelos de Deus; questão reflectida (reflexão), quer a nível pessoal quer comunitário; questão objectivada (objectivação), que assenta no diálogo e aprofundamento; questão em via de solução (decisão), visa a elaboração do projecto pastoral (objectivos, etapas, actores, meios…).
Copulativamente, a participação é uma masca deste método, pois o sujeito por excelência da acção pastoral é a comunidade. Neste método, a verificação da operacionalidade e dos resultados para aferir a transformação da realidade, constitui um dos momentos imprescindíveis. Aliás, é daqui que nasce o projecto que diz respeito à comunidade e que a edifica: desenvolve nela a corresponsabilidade e sinodalidade, sem as quais não há autêntica construção.
Em suma, nesta proposta ressalta-se a importância de projectar a acção pastoral e de verificar a sua operacionalidade. O discernimento confere a esta proposta a sua originalidade: escuta dos dons em regime de corresponsabilidade e a atitude espiritual e pneumatológica que exige (atitude própria de quem vive na promessa do Reino de Deus).

4.      Diálogo com as Ciências Sociais e Humanas
Uma das marcas do último quartel do séc. XX é o diálogo da Teologia com as Ciências Humanas e Sociais. A Teologia Prática situa-se precisamente no cruzamento entre a Teologia Sistemática e as Ciências Humanas e Sociais.
Na verdade, as ciências mais procuradas foram: Pedagogia e Psicologia, imposto pelas novas dinâmicas pastorais desenvolvidas na catequese e formação do clero e leigos; Antropologia, Sociologia e História, imposto pelos indícios de secularização, que exigiu um estudo da sociedade.
Ora, nesta relação entre a Teologia e tais saberes, podemos apontar três momentos desta relação em Portugal: até aos anos 80, uma relação de cautela e desconfiança; até ao início do séc. XXI, uma relação de alguma canonização dos dados reais que as análises sociológicas faziam transparecer; até hoje, um diálogo inter-disciplinar (relação de parceria).
De facto, a Teologia Prática é o lugar privilegiado do diálogo entre a Teologia e as Ciências. O contributo destas torna-se cada vez mais imprescindível à Teologia Prática: por um lado, não há Teologia Prática sem a inclusão da descrição das situações a um discurso possível; por outro lado, não se consegue estar sem as condições vinculadas à Teologia e à Tradição.
A Teologia Prática é então eminentemente lugar hermenêutico, pois é o lugar da pluralidade de saberes. Como tal, a T. Prática mantém um vínculo essencial com a praxis e desenvolve-se em quatro partes que a estruturam: interpretação da prática, organização da intervenção, planificação, e a reflexão teológica subjacente ao processo.
Consequentemente o diálogo com outros saberes é essencial para se desvendar o sentido de Deus nas situações concretas. Se os momentos metodológicos são três, quatro ou cinco, não é relevante, porque o importante é que não se esqueça nenhum dos dados essenciais: a comunidade e as suas práticas, a leitura crítica inter-disiciplicar e a projecção de situações novas com sentido. Por isso, requer-se um trabalho em equipa.
Relativamente às aportações que as Ciências Sociais e Humanas fornecem à Teologia Prática, podemos referenciar três principais processos/técnicas de recolha de informação (que é diferente de metodologias): biografia, a qual faz referência ao itinerário de vida de uma ou várias pessoas em ordem a analisar o meio social; técnica etnográfica, um processo que visa chegar à percepção das vivências concretas das comunidades (o investigador passa um tempo adequado no campo de investigação, participando nos rituais da comunidade); técnica do estudo do caso, um processo que se centra sobre um caso particular, estudando-o em profundidade. E porque as comunidades eclesiais são organismos dotados de riquezas bem como de fraquezas, estas técnicas podem facilitar o seu conhecimento.
Parte II: Crítica pessoal
 
Depois da leitura do capítulo, podemos resumi-lo no seguinte:
Perante o método dedutivo que vigorou até ao Vaticano II, o qual inscrevia nas práticas concretas a razão teológica das fórmulas dogmáticas, sucede-se o método indutivo, com o Vaticano II, o qual, pelo contrário, parte inicialmente das experiências concretas.
Dado o carácter linear de ambos os métodos (dados teológicos e realidade pastoral), Marc Donzé propõe o método de correlação, no qual articula o método dedutivo e indutivo. Contudo, este método corre o perigo de minimizar ou adaptar os dados teológicos ou os dados empíricos, como afirma M. Midali. Na mesma linha de Donzé, Gagnebin pretende criar um carácter externo à correlação (Espírito), no intuito de haver um método que dê um teor teológico a todo o processo. Na linha da correlação, há a referir os métodos “ver, julgar e agir” (JOC) e o “caminho empírico-crítico”.
Posto isto, M. Midali integra os elementos dos métodos anteriores, conferindo-lhe um carácter projectivo: a projecção como uma dimensão que integra as três fases do seu método (método de teor projectivo). Contudo, este método peca por ser meramente aplicativo.
Na linha de Midali, Lanza crítica os métodos anteriores por sofrerem ou de uma utopia tradicionalista ou futurista. Neste sentido, a originalidade do seu método reside no discernimento, como uma qualidade dos três momentos do processo metodológico. Além disso, uma das características é a participação de todo a comunidade no método (corresponsabilidade) e a verificação. E ao contrário de Midali, este método não se fica pela aplicação, mas é acção e compreensão.
 
Segundo um parecer pessoal, o método de Lanza abala muitos dos nossos programas pastorais, nomeadamente o carácter avaliativo (verificação) que carece neles muitas vezes. Isto é, a programação pastoral não termina com a formulação de orientações práticas, mas precisamente no fim da aplicação dessas orientações, cuja operacionalidade ou não, por sua vez, terá um contributo crucial para a definição do programa seguinte. Mais concretamente, será que nós, responsáveis pela pastoral, temos feito constantemente a avaliação da operacionalidade daquilo que propomos? Além disso, será que damos espaço para que os leigos possam dar o seu parecer pastoral, eles, que além de terem uma sensibilidade pastoral diferente da nossa (logo, enriquecedora), conseguem penetrar mais facilmente na trama da realidade humana (GS 4)?
Aliás, o carácter avaliativo faz com que o método nunca seja fechado, mas cíclico, ou seja, que se renova, e na medida em que se renova com as frequentes avaliações, aperfeiçoa-se à realidade e a sua operacionalidade é mais acertada.
Mas a participação do laicado não deve ser apenas para avaliar a operacionalidade do programa pastoral, mas também para a própria definição do programa pastoral, a qual muitas vezes fica ao critério do pastor. Por isso, não deveria o Código Direito Canónico impor a criação do Conselho Pastoral Paroquial (dando lugar à participação do laicado), em vez de apenas o propor? Será que a nomeação/eleição de delegados de zona, os quais representam os lugares/zonas territoriais de uma paróquia, não colherá outras e mais sensibilidades de leigos, que será importante para a definição das linhas pastorais de uma comunidade? Isto porque, na maioria das vezes, o Conselho Pastoral apenas está representado pelos movimentos da paróquia, não havendo quem represente a sensibilidade de outros leigos (que são a maioria), os quais não se inserem nesses âmbitos associativos.
Copulativamente, achei interessante o facto de o autor referir “Metodologias em Teologia Prática” e não “Metodologias da Teologia Prática”. Na verdade, os métodos da Teologia Prática não são exclusivos, mas sim uma adaptação dos meios/técnicas das Ciências Humanas e Sociais.
Por fim, penso que o texto carece por não haver referências à duração temporal dos métodos (e respectivos momentos), o que no meu entender pode ser importante, na medida em que impede que um método estanque nalgum momento do seu processo.
MITP, José Miguel Cardoso.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

DOMINGO DE CRISTO-REI
encerramento do ano pastoral


«Mas Ele nada praticou de condenável...»
(Lc 23, 35-43)
Porque Não!?

Reflexão Domingo XXXIII do Tempo Comum
Semana dos Seminários

Esta semana morreu o Senhor João Manuel Serra. E vocês perguntam: e quem é esse Senhor?
Ora, provavelmente nenhum de nós conheceu este homem. Este senhor ficou conhecido por ser o "Senhor do Adeus". Pois, ele todas as noites vestia-se impecavelmente, saía da sua casa e ia até à zona da Saldanha em Lisboa, e com um sorriso estampado, acenava a todos carros e pessoas que passavam.
A certa altura, um jornalista do jornal Expresso pergunta-lhe o porquê de ele fazer isto. E ele respondeu-lhe dizendo: "A solidão é uma maldita companhia, que me persegue por entre as paredes vazias da minha casa. Para lhe escapar, venho para aqui. Acenar é a minha forma de comunicar, de a sentir gente, de mostrar a minha alegria de viver.»
Caros cristãos, este testemunho é a síntese perfeita do que é ser cristão: é mostrar aos outros a nossa alegria de viver, a nossa alegria de seguir este Jesus, que nos preenche e dá sentido à nossa existência.
Contudo, nós hoje ficamos assustados, pois Jesus diz no Evangelho que aqueles que o seguirem: vão ser entregues nos tribunais; vão ser açoitados nas sinagogas; vão ser levados à presença de reis e de governantes; vão ser odiados pelos próprios pais, irmãos e amigos; alguns vão mesmo chegar a morrer; e outros serão gozados e ridicularizados por O seguirem.
Na verdade, Jesus apenas nos que alertar para o facto de que a nossa fé será constantemente posta à prova, quer: quando estamos com os nossos familiares lá em casa; quando estamos com os nossos amigos lá no café; quando estamos com os nossos colegas lá no trabalho ou na escola; quando estamos com os nossos irmão na fé lá nos movimentos ou grupos católicos; e até mesmo quando estamos a passear sossegados no centro da cidade, também aí a nossa fé será posta à prova.
E em todos estes momentos, Jesus apenas nos pede para não termos vergonha, medo, complexos ou receio de nos assumirmos como católicos, pois, tal como Ele afirma no Evangelho: “pela vossa perseverança é que sereis salvos.”
Curiosamente, foi também por causa da “perseverança” da família, dos amigos, dos catequistas, dos professores e do pároco, que o actual Bispo do Porto, D. Manuel Clemente, entrou para o Seminário. (cf. Aa. Vv., Sacerdotes em Cristo, Paulus Editora, São Paulo 2009, p. 36).
Caras famílias aqui presentes, neste Semana dos Seminários que estamos a celebrar, a Igreja pede-vos que sejais “o primeiro e o melhor seminário da vocação a uma vida de doação a Deus e aos irmãos(Conferência Episcopal Portuguesa, Carta Pastoral A Família, esperança da Igreja e do Mundo, n. 55). E vocês perguntam: mas afinal o que é o Seminário?
O Seminário é essa casa de discernimento e formação, onde vivem todos aqueles jovens que colocam a questão de um dia serem sacerdotes. “O Seminário é a comunidade dos discípulos de Cristo e dos irmãos no presbitério.” E porque os seminaristas provêm das famílias cristãs como as vossas, caros pais: vós tendes essa missão de gerar sacerdotes para a Igreja.
Todavia, caros pais, eu lamento dizer-vos: mas nós na Igreja não podemos oferecer aos vossos filhos salários milionários, como no caso dos jogadores de futebol; não podemos oferecer bons empregos, como é o caso dos gestores públicos; não podemos garantir prestígio social, como os actores e apresentadores de televisão; não podemos garantir regalias fiscais, como os políticos e deputados; não podemos prometer a reforma aos 55 anos, como é para o caso dos agentes da polícia. Mas apenas vos podemos garantir uma coisa: que Deus há-de cuidar dos vossos filhos, como um autêntico pastor que guarda as suas ovelhas. Na verdade, nem todos os filhos têm de ser médicos, políticos, músicos, jogadores de futebol, modelos, professores ou engenheiros! E vós tendes esse essa missão de os educar e propor outros caminhos, entre os quais o caminho de uma vida sacerdotal, respeitando sempre a liberdade dos vossos filhos.
E vós caros jovens aqui presentes: estai também atentos aos sinais de Deus, pois é através desses gestos intermediários que Ele convida a segui-lo neste estilo de vida concreta, que é a vida sacerdotal!
Aliás, foi através da sarça ardente que Deus chamou o profeta Moisés; foi através do sacerdote Heli que chamou o jovem Samuel; foi através do profeta Natan que chamou o rei David; foi através de uma visão que chamou o profeta Isaías e Jeremias; foi através do anjo Gabriel que chamou Maria, a mãe de Jesus; foi através da pesca milagrosa que chamou os primeiros apóstolos; por fim, foi através do próprio Jesus, que chamou São Paulo, o perseguidor de cristãos que viria a ser o grande apóstolo dos gentios.
Por isso caro jovem, está atento: pois será através dos teus professores, amigos, catequistas, pais, pároco, das tuas visitas lúdicas, letra da tua música preferida, da tua participação na eucaristia, da tua oração pessoal… e quando menos esperares, Ele te chamará para que, tal como o Senhor João Serra, o “Senhor do Adeus”, possas testemunhar essa alegria de seres um discípulo de Jesus Cristo!

Método da Teologia Prática

Casiano Floristan, Teologia Pratica. Teoria y Praxis de la Accion Pastoral,
Ediciones Sígueme, Salamanca, 1993, pp.193-211
Parte I
Resumo do artigo

A teologia é uma teoria, um discurso reflexivo (logos), que requer sempre uma prática (praxis). Por isso, a teologia tem necessariamente uma relação com a realidade social: pretende ser uma orientação para a sua evolução natural. Isto funda-se no próprio mistério da encarnação: Deus enviou o próprio Filho, que encarnou na pessoa de Jesus, num determinado momento cronológico e numa história concreta, para revelar o Deus-Amor e instaurar o Reino de Deus.
Por causa deste carácter de historicidade, urge a necessidade de um método para a teologia, pois ela tem a missão de conhecer a realidade humana (historicidade) e apontar os caminhos do Reino de Deus. Por método entenda-se aqui “um conjunto de normas e procedimentos válidos para ensinar, aprender e concretizar algo.”
Deste modo, a teologia é concebida então como ciência, na medida em que é a ciência da palavra de Deus revelada em Jesus Cristo e aceitada como norma de fé, na correlação ou no confronto com a experiência histórica humana. Resumindo, a teologia move-se em dois pólos: a revelação de Deus e a experiência humana, tendo como referência a Sagrada Escritura (a objectivação textual da revelação de Deus).
Por conseguinte, a teologia comporta quatro dimensões: dimensão bíblica (a Sagrada Escritura como ponto de partida da reflexão teológica), dimensão histórica (pois tem em conta as três dimensões do tempo da história: passado, presente e futuro), dimensão sistemática (a interpretação da experiência de fé, conceitos e símbolos, leva à ramificação da teologia em fundamental, dogmática e moral) e dimensão prática (necessidade de uma hermenêutica sócio-histórica da trama humana).
Posto isto, Casiano Floristan apresenta dois pressupostos necessários para todo o método da teologia prática: a hermenêutica, interpretação da realidade humana segundo a dinâmica da fé cristã; e a reflexão, apontar caminhos de fé para a própria Igreja, a sociedade e o Homem.
Depois de uma análise aos métodos da correlação, nomeadamente o método presente na Gaudium et Spes (ver, julgar e agir) e o método empírico-crítico de M. Midali (fase kairológica, fase projectiva e fase estratégica), Floristan propõe um outro método como alternativa destes.
Desta forma, este método comporta três momentos: observação pastoral, interpretação pastoral e planificação pastoral.

1.     Observação pastoral
A observação é um processo mais difícil do que se julga. Em primeiro lugar, a realidade social em si não é tão nítida de ser observada, e em segundo lugar, todo o observador acarreta consigo determinados pré-conceitos culturais, sociais, familiares e pessoais, que condicionam a verdade da realidade observada.
Por isso, Floristan considera que a observação não se pode cingir a um momento único, mas que engloba vários níveis: observação espontânea, que consiste na recolha de certas atitudes, comportamentos e modelos de vida; observação guiada, na qual se utilizam técnicas para se compreender os sistemas de comunicação e as estruturas de poder da realidade observada; observação crítica, na qual se observa valores, símbolos, mentalidades e ideologias patentes.
Em suma, para se desenvolver uma observação há que estudar a base ideológica (valores, normas e acções), o horizonte simbólico (imagens globais) e a filosofia das instituições (princípios que coordenam a evolução social).
A esta observação primária, sucede-se então a observação pastoral, ou seja, uma observação segundo os indicadores teológicos. Neste sentido, o autor apresenta seis perguntas que coordenam este tipo de observação: onde (lugar), quando (momento cronológico), quem (sujeitos da realidade observada), o quê (experiências concretas), como (quais os objectivos a atingir) e o porquê (avaliação das experiências analisadas).

2.     Interpretação pastoral
A interpretação pastoral consiste num diagnóstico da experiência observada, a qual comporta uma análise de conteúdos e a dedução de sentido. No fundo, pretende-se verificar a autenticidade cristã ou a qualidade evangélica da identidade cristã, a significação testemunhal, a experiência religiosa de Deus, as relações comunitárias, as condutas éticas e os compromissos sociais.
Desta forma, o autor defende que a realidade histórica é, paradoxalmente, o ponto de partida e o ponto de chegada da reflexão hermenêutica da teologia. Por outras palavras, a hermenêutica teológica parte da análise da realidade, confronta-a com a Sagrada Escritura (valores do Reino de Deus), e projecta um outro sentido/forma para essa mesma realidade. A este processo o autor denomina de circulação hermenêutica, na medida em que a acção pastoral está numa contínua interpretação e projecção teológica.

3.     Planificação pastoral
“Planificar é pensar num futuro imediato.” O plano pastoral é um processo, basicamente evangelizador, que leva à concretização da mensagem cristã através da elaboração de um programa operativo, subordinado a alguns objectivos. Em suma, trata-se de “re-edificar” (actualizar) o ideal da Igreja cristã num determinado lugar.
Como tal, é necessária uma equipa de planificação, composta por pessoas que representam todos os grupos da comunidade cristã em questão. A esta equipa compete a elaboração do projecto pastoral que poderá sofrer várias alterações até ao projecto final. Por fim, todo o plano pastoral deve ter a duração de pelo menos de 3 anos. Deste modo, este momento do método pastoral comporta 5 fases.
Se no momento anterior havia uma análise meramente social, agora exige-se uma análise com carácter religioso. Recorrendo a todos os instrumentos científicos, pretende-se conhecer a história recente daquela realidade em estudo, os condicionamentos económicos, as correntes culturais, os movimentos políticos, os factores sociais e ideologias.
A esta análise urge fixar os objectivos da acção pastoral, quer a nível paroquial, arciprestal, diocesano ou nacional.
Em seguida, compete coordenar o papel dos agentes pastorais, sempre segundo uma linha eclesiológica de colegialidade (participativa) e comunhão (grupo). Além disso, toda a planificação pastoral deve estar sob orientação do bispo diocesano (LG 27), na qual devem participar activamente os presbíteros, religiosos e leigos.
Este plano deverá ser adaptado às circunstâncias concretas da realidade humana em questão. E periodicamente deve-se fazer a avaliação do mesmo, pois esta ajudará a corrigir e melhorar o próprio plano.
Concluindo, todo este método só terá sucesso com a participação e corresponsabilidade de todos, dentro de um estilo autocrítico e democrático.


Parte II
Comentário pessoal

Depois da análise do texto de Casiano Floristan, considero importante a pertinência do seu método. Aliás, trata-se de um método que vai na linha do de M. Midali.
Ora, perante o insucesso declarado dos métodos dedutivo e indutivo, Floristan coloca o “momento da reflexão teológica” simultaneamente em todo o processo teológico. Assim, supera o carácter utópico do método dedutivo, o qual partia dos dados teológicos e aplicava-os a priori à acção pastoral, e do carácter ateísta do método indutivo, o qual partia da análise dos dados sem uma observação de teor teológico (sinais dos tempos). Portanto, em ambos os métodos havia uma relação binária entre Teologia e Pastoral.
Neste sentido, o método de Floristan prima por colocar o momento teológico, nem no princípio nem no fim do método pastoral, mas no momento central. Ou seja, a análise da realidade é submetida/confrontada com os dados teológicos, e depois dessa confrontação é projectada a situação pastoral desejada, tendo sempre por base esses mesmos dados (circulação hermenêutica).
Contudo, não se entende o porquê de Floristan propor uma outra análise no início do momento da planificação pastoral, quando essa análise já foi feita no fim do momento da observação pastoral.
Abordando agora o instrumento de trabalho “Repensar juntos a Pastoral da Igreja em Portugal” da Conferência Episcopal Portuguesa, notamos claramente alguns traços do método de Casiano Floristan. Assim, depois de uma análise meramente pastoral, onde apresenta aspectos negativos (congressos sem efeitos pastorais, documentos da CEP esquecidos, catequese infrutífera, falta de formação…) e positivos (participação laical, novos movimentos…), e da proposta para “uma nova maneira de ser Igreja (formação, nova evangelização e re-organização das comunidades cristãs), o documento convida os agentes pastorais a fazerem uma leitura teológica da realidade, no intuito de discernir quais os sinais de Deus patentes e respectivos desafios para a missão pastoral.
Contudo, esta proposta da CEP (propor um mesmo plano pastoral a nível nacional) entra também em divergência com o método de Floristan. Ora, este autor exige um estudo sério da realidade à qual se aplicarão os dados teológicos, pois o sucesso do plano pastoral dependerá da sua adaptação à realidade em análise, na medida em que procura dar resposta às suas exigências pastorais.
Neste sentido, e dada a grande disparidade pastoral no nosso país, será que um mesmo plano poderá dar resposta simultaneamente a todas as exigências/desafios pastorais? Aliás, a maioria dos cristãos, à imagem do que acontece na sociedade/política/economia/cultura, cinge-se ainda a um centralismo religioso do Patriarcado de Lisboa. Por isso, será igual propor um mesmo plano pastoral para as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, para as regiões desertificadas e iletradas do interior, para a região turística do Algarve e para e região tradicionalista do Norte? Não terá cada região experiências, carismas e dinamismos diferentes? Não será necessário atender também ao paradoxo globalizacional?
Deste modo, não será mais apropriado fazer previamente um plano pastoral, a título experimental, para cada uma das regiões das três Arquidioceses do país, e só depois avançar para um programa a nível nacional?
Assim sendo, considero muito pertinente e importante a proposta de uma pastoral comum para a Igreja em Portugal, pois fomentará ainda mais a colegialidade, comunhão e a partilha de reflexões sobre um mesmo projecto de evangelização, o que fará com que ele se enriqueça. Contudo, apenas julgo que o método para tal precise de ser previamente experimentado a nível regional.

MITP, José Miguel Cardoso


quarta-feira, 10 de novembro de 2010

DOMINGO XXXIII do TEMPO COMUM


"Pela vossa perseverança salvareis as vossas almas"
(Lc 21,19)

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Pesquisa qualitativa: características, usos e possibilidades
Análise do artigo de José Luís Neves
Caderno de pesquisas em administração, v.1, n.º3, São Paulo, 1996.

Parte I: resumo do artigo
1.      Introdução
Ao longo dos tempos, se a pesquisa social valorizou o método da pesquisa quantitativa, actualmente a pesquisa qualitativa tem sido muito empregue, não só na Antropologia e Sociologia, mas também na Psicologia, Educação e Administração de Empresas.
            Os estudos quantitativos procuram seguir, de um modo rigoroso, um plano estabelecido previamente, enumeram dados e usam a estatística para a análise dos mesmos. Por seu turno, os estudos qualitativos costumam ter várias direcções (mudança sucessiva de planos) ao longo da pesquisa, porque o seu foco de interesse é amplo e o ponto de partida é distinto do dos estudos quantitativos. Os dados são obtidos mediante o contacto (participação) do próprio pesquisador e/ou outras pessoas com o objecto de estudo. E partindo destes dados pessoais, o pesquisador vai fazer a sua interpretação, de modo a compreender determinados fenómenos dessa realidade estudada.

2.      Características da pesquisa qualitativa
Antes de mais convém ter presente que há diversos tipos de estudos de pesquisa qualitativa, os quais variam quanto ao método, forma e objectivos. Neste sentido, Godoy elenca cinco características essenciais desta pesquisa: o ambiente natural como fonte directa de dados; o pesquisador como instrumento fundamental; o carácter descritivo; o significado que as pessoas dão às coisas e à sua vida como preocupação do investigador; e o enfoque indutivo.
Ora, a expressão “pesquisa qualitativa” compreende então um conjunto de diferentes técnicas interpretativas que visam descrever e descodificar os componentes de um sistema complexo de significados. Por outras palavras, tem por objectivo traduzir, expressar e compreender os fenómenos do mundo social. Geralmente, os estudos qualitativos são feitos no próprio local de origem dos dados, por isso esta pesquisa requer um determinado corte temporal/espacial do próprio pesquisador em relação ao objecto de estudo.
Este corte temporal/espacial define o campo e a dimensão do desenvolvimento do trabalho de descrição, fundamental num estudo qualitativo. Na verdade, as descrições em causa tratam-se de dados simbólicos, situados num determinado contexto, pois eles revelam parte da realidade mas simultaneamente omitem uma outra parte.
Para melhor percebermos isto, Maanen utiliza o exemplo do camião. Quando vamos atravessar um rua e notamos que se aproxima um camião, naquele momento não interessa qual a sua cilindrada, a cor, a capacidade de carga… (pesquisa quantitativa), mas naquele momento o que interessa é que o camião é um símbolo de perigo, que poderá colocar em risco a minha vida (pesquisa qualitativa). Logo, naquela circunstância ignora-se a descrição do camião (pesquisa quantitativa), e valoriza-se aquilo que ele representa: perigo (pesquisa qualitativa).
Com isto, nós concluímos que a priori nenhuma pesquisa é melhor que a outra. O que a faz ser melhor (mais adequada) será o tipo de informações que determinada pesquisa me fornece e, por isso, melhor me ajuda a concretizar o objectivo do estudo em causa. Além disso, a pesquisa quantitativa pode complementar a qualitativa, e vice-versa. Logo, elas não são opostas, mas complementares, admitindo que há uma que poderá prevalecer maioritariamente.

3.      Métodos qualitativos e métodos quantitativos
Como concluíamos, embora possamos distinguir métodos quantitativos e qualitativos, eles complementam-se e podem contribuir num mesmo estudo para uma melhor compreensão do fenómeno estudado.
Juck chama “triangulação” a esta combinação de métodos. Este conceito pretende assim estabelecer ligações entre descobertas obtidas por diferentes fontes, ilustrá-las e torná-las compreensíveis. Por isso, ele pode provocar uma nova direcção no estudo sobre os fenómenos a serem pesquisados.
Por outro lado, Morse propõe o conceito de “triangulação simultânea”, para se referir ao jogo desta combinação de métodos. Ele ressalta que, se no momento inicial da recolha de dados esta interacção é reduzida, na fase da conclusão será mais evidente. Por isso, ele apresenta um outro conceito: “triangulação sequenciada”. Este consiste no facto de que os resultados de um método servem de base para o planeamento do outro método que o sucede, complementando-o.
Desta forma, combinar técnicas quantitativas e qualitativas torna uma pesquisa mais forte e reduz os problemas de adopção exclusiva de um só método. Tais vantagens da combinação entre os dois métodos são apresentadas por Duffy: possibilidade de congregar os dados (métodos quantitativos) com compreensão da perspectiva dos agentes envolvidos no fenómeno (métodos qualitativos); possibilidade de congregar a identificação de variáveis específicas (métodos quantitativos) com uma visão global do fenómeno (métodos qualitativos); possibilidade de contemplar um conjunto de factos e causas associados ao uso de uma metodologia quantitativa com uma visão da natureza dinâmica da realidade; possibilidade de enriquecer constatações obtidas sob condições controladas com dados obtidos dentro do contexto natural da sua ocorrência; possibilidade de reafirmar a validade e credibilidade das descobertas através do uso de técnicas diferenciadas. Estas vantagens revelam que, no momento da recolha de dados, muitas vezes é necessário alterar o planeamento integral e prévio da pesquisa.
Copulativamente, devem-se evitar ilusões quanto aos estudos qualitativos. Muitas vezes estes parecem ser mais ricos, completos e reais que os quantitativos. Mas tal visão é ilusória: deve-se evitar ter preconceitos a favor dos qualitativos e cabe ressaltar que, tanto a abordagem qualitativa como a quantitativa, são capazes de produzir tanto estudos bons, como maus. Aliás, os métodos qualitativos também têm as suas próprias fraquezas e problemas, que devem ser consideradas e não negadas.

4.      Formas da pesquisa qualitativa
Godoy apresenta três tipos de pesquisa qualitativa: pesquisa documental, estudo de caso e etnografia.
            A pesquisa documental é constituída pelo exame de materiais que ainda não receberam um tratamento analítico ou que podem ser reexaminados com vista a uma interpretação nova ou complementar. Pode também oferecer uma base de dados útil para outro tipo de estudos qualitativos. Além disso, não só permite o estudo de pessoas a que não temos acesso físico (ausentes), bem como é uma fonte propícia para o estudo de longos períodos de tempo.
            O estudo de caso consiste na análise profunda de uma unidade de estudo, nomeadamente uma descrição detalhada de um sujeito ou de uma situação concreta. Este tipo de pesquisa qualitativa tem sido muito usado em estudos de administração, com o intuito de se compreender o como e porquê do acontecimento de certos fenómenos.
            A etnografia, por seu turno, é considerada a pesquisa mais importante das três. Este método acarreta um longo período de tempo de estudo, em que o pesquisador fixa residência numa comunidade e passa a usar técnicas de observação, contacto directo e participação nas actividades próprias da realidade em análise. Mais do que a forma, o que interessa é compreender o significado e sentido dos fenómenos. Logo, a natureza dos fenómenos pode a priori indicar qual das três será a pesquisa mais apropriada para se atingir os objectivos dum determinado estudo.

5.      Problemas do método qualitativo
Como já referimos anteriormente, o método qualitativo apresenta alguns problemas. Desde logo, Manning alerta para os problemas de linguagem com a expressão das ideias, e para o facto de que estas devem ser descodificadas para que a análise qualitativa seja feita.
Uma vez que os dados observados são postos por escrito, uma má interpretação do próprio texto ou uma defeituosa relação entre significante e significado, pode condicionar os resultados da própria análise.
A própria tarefa de colectar os dados é extremamente trabalhosa, pois urge registá-los, organizá-los, codificá-los e analisá-los. Por isso, o cansaço e a saturação podem levar o pesquisador a um descuido, omissão e incorrecta análise dos dados. Convém ainda acrescentar a subjectividade do pesquisador que, por muito que se evita, incute sempre um cunho/preconceito pessoal sobre a análise. Por fim, convém ter em conta que, erradamente, muitas vezes analisa-se fenómenos naturais do mesmo modo que os sociais.
Deste modo, Bradley recomenda o uso de quatro critérios para dissipar tais problemas: conferir a credibilidade do material investigado; zelar pela fidelidade no processo de transcrição que antecede a análise; considerar os elementos que compõem o contexto; e assegurar a possibilidade de confirmar posteriormente os dados pesquisados. Por fim, podemos acrescentar que tanto é inadequado ignorar a existência de problemas ligados à natureza dos métodos qualitativos, quanto manter uma visão simplista dos mesmos.

6.      Conclusão
A grande conclusão a que chegamos é que há diversas formas de avançar no conhecimento dos fenómenos: pela sua descrição, pela mediação, pela busca de nexo causal entre seus condicionantes, pela análise de contexto, pela distinção entre forma e essência, pela indicação das funções de seus componentes, pela visão de sua estrutura e pela comparação de estados alterados da sua essência. Portanto, diferentes maneiras de encarar a realidade produzem formas distintas de interpretar significados e sentidos do objecto de estudo.
Neste sentido, o pesquisador é que terá de ponderar qual o melhor método a usar, ou qual a melhor sequência de combinação entre os dois métodos. Tudo isto dependerá sempre da clara definição do problema e dos objectivos da pesquisa, assim como das vantagens e desvantagens de cada método disponível, tendo presente as condições e contextos específicos do estudo.


Parte II: análise crítica
            Depois de uma leitura atenta do artigo, reconhecemos a pertinência do autor, José Luís Neves, ao defender uma combinação de métodos em prol de uma pesquisa mais rica. Na verdade, um método implica o outro, pois o método quantitativo oferece dados ao qualitativo para este os analisar, e este confere sentido aos dados do método quantitativo. De facto, a separação quase-absoluta de métodos é possível, mas a combinação enriquece-os. Além disso, julgo importante o facto de o autor não divinizar o método qualitativo, na medida em que reconhece que este também apresenta lacunas.
Contudo, este artigo apresenta um erro linguístico e conceptual: o autor tanto fala de pesquisa qualitativa, como de estudo, método, técnica ou análise qualitativa. Numa linha rigorista, deveria usar apenas um conceito de definição, nomeadamente aquele que usou no princípio do artigo “pesquisa qualitativa”, de modo a não suscitar incompreensões. Por exemplo, às vezes define esta “pesquisa qualitativa” também como análise “qualitativa”, e noutras percebemos que a “análise” é um momento específico (depois da recolha de dados e respectiva catalogação, segue-se a interpretação: análise) de todo o processo da “pesquisa qualitativa”.
Copulativamente, o autor raramente aborda a questão da subjectividade (do pesquisador) e objectividade (do fenómeno), que me parece ser pertinente no processo da pesquisa qualitativa.
Posto isto, o texto levanta algumas perguntas. A determinada altura, o autor afirma que a combinação dos dois métodos enriquece o estudo dos fenómenos. Ora, e a combinação das várias formas de fazer pesquisa qualitativa, não enriquecerá também a própria pesquisa qualitativa?
Por fim, eu julgo que o artigo poderia ter mais credibilidade com uma (breve) referência filosófica. Mais concretamente, no mundo da fenomenologia, uma abordagem ao filósofo Auguste Comte, pai do positivismo (rejeição da metafísica em prol de uma compreensão empírica dos fenómenos e das leis efectivas entre si) e a Edmund Husserl, crítico do positivismo (distinção entre fenómeno e essência; o fenómeno capta-se apenas a consciência; papel da intencionalidade), poderia enriquecer esta reflexão de José Luís Neves.

MITP, José Miguel Cardoso

terça-feira, 26 de outubro de 2010