segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Pesquisa qualitativa: características, usos e possibilidades
Análise do artigo de José Luís Neves
Caderno de pesquisas em administração, v.1, n.º3, São Paulo, 1996.

Parte I: resumo do artigo
1.      Introdução
Ao longo dos tempos, se a pesquisa social valorizou o método da pesquisa quantitativa, actualmente a pesquisa qualitativa tem sido muito empregue, não só na Antropologia e Sociologia, mas também na Psicologia, Educação e Administração de Empresas.
            Os estudos quantitativos procuram seguir, de um modo rigoroso, um plano estabelecido previamente, enumeram dados e usam a estatística para a análise dos mesmos. Por seu turno, os estudos qualitativos costumam ter várias direcções (mudança sucessiva de planos) ao longo da pesquisa, porque o seu foco de interesse é amplo e o ponto de partida é distinto do dos estudos quantitativos. Os dados são obtidos mediante o contacto (participação) do próprio pesquisador e/ou outras pessoas com o objecto de estudo. E partindo destes dados pessoais, o pesquisador vai fazer a sua interpretação, de modo a compreender determinados fenómenos dessa realidade estudada.

2.      Características da pesquisa qualitativa
Antes de mais convém ter presente que há diversos tipos de estudos de pesquisa qualitativa, os quais variam quanto ao método, forma e objectivos. Neste sentido, Godoy elenca cinco características essenciais desta pesquisa: o ambiente natural como fonte directa de dados; o pesquisador como instrumento fundamental; o carácter descritivo; o significado que as pessoas dão às coisas e à sua vida como preocupação do investigador; e o enfoque indutivo.
Ora, a expressão “pesquisa qualitativa” compreende então um conjunto de diferentes técnicas interpretativas que visam descrever e descodificar os componentes de um sistema complexo de significados. Por outras palavras, tem por objectivo traduzir, expressar e compreender os fenómenos do mundo social. Geralmente, os estudos qualitativos são feitos no próprio local de origem dos dados, por isso esta pesquisa requer um determinado corte temporal/espacial do próprio pesquisador em relação ao objecto de estudo.
Este corte temporal/espacial define o campo e a dimensão do desenvolvimento do trabalho de descrição, fundamental num estudo qualitativo. Na verdade, as descrições em causa tratam-se de dados simbólicos, situados num determinado contexto, pois eles revelam parte da realidade mas simultaneamente omitem uma outra parte.
Para melhor percebermos isto, Maanen utiliza o exemplo do camião. Quando vamos atravessar um rua e notamos que se aproxima um camião, naquele momento não interessa qual a sua cilindrada, a cor, a capacidade de carga… (pesquisa quantitativa), mas naquele momento o que interessa é que o camião é um símbolo de perigo, que poderá colocar em risco a minha vida (pesquisa qualitativa). Logo, naquela circunstância ignora-se a descrição do camião (pesquisa quantitativa), e valoriza-se aquilo que ele representa: perigo (pesquisa qualitativa).
Com isto, nós concluímos que a priori nenhuma pesquisa é melhor que a outra. O que a faz ser melhor (mais adequada) será o tipo de informações que determinada pesquisa me fornece e, por isso, melhor me ajuda a concretizar o objectivo do estudo em causa. Além disso, a pesquisa quantitativa pode complementar a qualitativa, e vice-versa. Logo, elas não são opostas, mas complementares, admitindo que há uma que poderá prevalecer maioritariamente.

3.      Métodos qualitativos e métodos quantitativos
Como concluíamos, embora possamos distinguir métodos quantitativos e qualitativos, eles complementam-se e podem contribuir num mesmo estudo para uma melhor compreensão do fenómeno estudado.
Juck chama “triangulação” a esta combinação de métodos. Este conceito pretende assim estabelecer ligações entre descobertas obtidas por diferentes fontes, ilustrá-las e torná-las compreensíveis. Por isso, ele pode provocar uma nova direcção no estudo sobre os fenómenos a serem pesquisados.
Por outro lado, Morse propõe o conceito de “triangulação simultânea”, para se referir ao jogo desta combinação de métodos. Ele ressalta que, se no momento inicial da recolha de dados esta interacção é reduzida, na fase da conclusão será mais evidente. Por isso, ele apresenta um outro conceito: “triangulação sequenciada”. Este consiste no facto de que os resultados de um método servem de base para o planeamento do outro método que o sucede, complementando-o.
Desta forma, combinar técnicas quantitativas e qualitativas torna uma pesquisa mais forte e reduz os problemas de adopção exclusiva de um só método. Tais vantagens da combinação entre os dois métodos são apresentadas por Duffy: possibilidade de congregar os dados (métodos quantitativos) com compreensão da perspectiva dos agentes envolvidos no fenómeno (métodos qualitativos); possibilidade de congregar a identificação de variáveis específicas (métodos quantitativos) com uma visão global do fenómeno (métodos qualitativos); possibilidade de contemplar um conjunto de factos e causas associados ao uso de uma metodologia quantitativa com uma visão da natureza dinâmica da realidade; possibilidade de enriquecer constatações obtidas sob condições controladas com dados obtidos dentro do contexto natural da sua ocorrência; possibilidade de reafirmar a validade e credibilidade das descobertas através do uso de técnicas diferenciadas. Estas vantagens revelam que, no momento da recolha de dados, muitas vezes é necessário alterar o planeamento integral e prévio da pesquisa.
Copulativamente, devem-se evitar ilusões quanto aos estudos qualitativos. Muitas vezes estes parecem ser mais ricos, completos e reais que os quantitativos. Mas tal visão é ilusória: deve-se evitar ter preconceitos a favor dos qualitativos e cabe ressaltar que, tanto a abordagem qualitativa como a quantitativa, são capazes de produzir tanto estudos bons, como maus. Aliás, os métodos qualitativos também têm as suas próprias fraquezas e problemas, que devem ser consideradas e não negadas.

4.      Formas da pesquisa qualitativa
Godoy apresenta três tipos de pesquisa qualitativa: pesquisa documental, estudo de caso e etnografia.
            A pesquisa documental é constituída pelo exame de materiais que ainda não receberam um tratamento analítico ou que podem ser reexaminados com vista a uma interpretação nova ou complementar. Pode também oferecer uma base de dados útil para outro tipo de estudos qualitativos. Além disso, não só permite o estudo de pessoas a que não temos acesso físico (ausentes), bem como é uma fonte propícia para o estudo de longos períodos de tempo.
            O estudo de caso consiste na análise profunda de uma unidade de estudo, nomeadamente uma descrição detalhada de um sujeito ou de uma situação concreta. Este tipo de pesquisa qualitativa tem sido muito usado em estudos de administração, com o intuito de se compreender o como e porquê do acontecimento de certos fenómenos.
            A etnografia, por seu turno, é considerada a pesquisa mais importante das três. Este método acarreta um longo período de tempo de estudo, em que o pesquisador fixa residência numa comunidade e passa a usar técnicas de observação, contacto directo e participação nas actividades próprias da realidade em análise. Mais do que a forma, o que interessa é compreender o significado e sentido dos fenómenos. Logo, a natureza dos fenómenos pode a priori indicar qual das três será a pesquisa mais apropriada para se atingir os objectivos dum determinado estudo.

5.      Problemas do método qualitativo
Como já referimos anteriormente, o método qualitativo apresenta alguns problemas. Desde logo, Manning alerta para os problemas de linguagem com a expressão das ideias, e para o facto de que estas devem ser descodificadas para que a análise qualitativa seja feita.
Uma vez que os dados observados são postos por escrito, uma má interpretação do próprio texto ou uma defeituosa relação entre significante e significado, pode condicionar os resultados da própria análise.
A própria tarefa de colectar os dados é extremamente trabalhosa, pois urge registá-los, organizá-los, codificá-los e analisá-los. Por isso, o cansaço e a saturação podem levar o pesquisador a um descuido, omissão e incorrecta análise dos dados. Convém ainda acrescentar a subjectividade do pesquisador que, por muito que se evita, incute sempre um cunho/preconceito pessoal sobre a análise. Por fim, convém ter em conta que, erradamente, muitas vezes analisa-se fenómenos naturais do mesmo modo que os sociais.
Deste modo, Bradley recomenda o uso de quatro critérios para dissipar tais problemas: conferir a credibilidade do material investigado; zelar pela fidelidade no processo de transcrição que antecede a análise; considerar os elementos que compõem o contexto; e assegurar a possibilidade de confirmar posteriormente os dados pesquisados. Por fim, podemos acrescentar que tanto é inadequado ignorar a existência de problemas ligados à natureza dos métodos qualitativos, quanto manter uma visão simplista dos mesmos.

6.      Conclusão
A grande conclusão a que chegamos é que há diversas formas de avançar no conhecimento dos fenómenos: pela sua descrição, pela mediação, pela busca de nexo causal entre seus condicionantes, pela análise de contexto, pela distinção entre forma e essência, pela indicação das funções de seus componentes, pela visão de sua estrutura e pela comparação de estados alterados da sua essência. Portanto, diferentes maneiras de encarar a realidade produzem formas distintas de interpretar significados e sentidos do objecto de estudo.
Neste sentido, o pesquisador é que terá de ponderar qual o melhor método a usar, ou qual a melhor sequência de combinação entre os dois métodos. Tudo isto dependerá sempre da clara definição do problema e dos objectivos da pesquisa, assim como das vantagens e desvantagens de cada método disponível, tendo presente as condições e contextos específicos do estudo.


Parte II: análise crítica
            Depois de uma leitura atenta do artigo, reconhecemos a pertinência do autor, José Luís Neves, ao defender uma combinação de métodos em prol de uma pesquisa mais rica. Na verdade, um método implica o outro, pois o método quantitativo oferece dados ao qualitativo para este os analisar, e este confere sentido aos dados do método quantitativo. De facto, a separação quase-absoluta de métodos é possível, mas a combinação enriquece-os. Além disso, julgo importante o facto de o autor não divinizar o método qualitativo, na medida em que reconhece que este também apresenta lacunas.
Contudo, este artigo apresenta um erro linguístico e conceptual: o autor tanto fala de pesquisa qualitativa, como de estudo, método, técnica ou análise qualitativa. Numa linha rigorista, deveria usar apenas um conceito de definição, nomeadamente aquele que usou no princípio do artigo “pesquisa qualitativa”, de modo a não suscitar incompreensões. Por exemplo, às vezes define esta “pesquisa qualitativa” também como análise “qualitativa”, e noutras percebemos que a “análise” é um momento específico (depois da recolha de dados e respectiva catalogação, segue-se a interpretação: análise) de todo o processo da “pesquisa qualitativa”.
Copulativamente, o autor raramente aborda a questão da subjectividade (do pesquisador) e objectividade (do fenómeno), que me parece ser pertinente no processo da pesquisa qualitativa.
Posto isto, o texto levanta algumas perguntas. A determinada altura, o autor afirma que a combinação dos dois métodos enriquece o estudo dos fenómenos. Ora, e a combinação das várias formas de fazer pesquisa qualitativa, não enriquecerá também a própria pesquisa qualitativa?
Por fim, eu julgo que o artigo poderia ter mais credibilidade com uma (breve) referência filosófica. Mais concretamente, no mundo da fenomenologia, uma abordagem ao filósofo Auguste Comte, pai do positivismo (rejeição da metafísica em prol de uma compreensão empírica dos fenómenos e das leis efectivas entre si) e a Edmund Husserl, crítico do positivismo (distinção entre fenómeno e essência; o fenómeno capta-se apenas a consciência; papel da intencionalidade), poderia enriquecer esta reflexão de José Luís Neves.

MITP, José Miguel Cardoso

1 comentário:

  1. Parabéns, José Miguel!

    Considero que fizeste não só um bom trabalho (conteúdo deste post), como o fizeste no tempo e com a especificidade do que foi pedido na Unidade Curricular.

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