sexta-feira, 11 de março de 2011

O silêncio da diferença

 Trabalho da Unidade Curricular de Metodologias de Investigação em Teologia Pastoral

1. Introdução
O presente trabalho visa ser uma resposta à proposta inovadora do professor de Metodologias de Investigação Pastoral: integrar as técnicas de recolha de dados da pesquisa qualitativa no método de Sergio Lanza, elaborando assim um novo (mais completo) itinerário pastoral.
Neste sentido, criei o método do discernimento pastoral da diferença. Como tal, e para que esta tese não peque por falta de fundamento, o presente trabalho divide-se em três partes: uma breve exposição sobre a novidade linguística de uma Teologia da Diferença; a novidade do método de Sergio Lanza; e por fim, a apresentação de um itinerário pastoral, que conjuga as técnicas de recolha de dados e o método de Lanza, a partir de um paradigma bíblico e fundado na categoria teológica da diferença.
            Assim sendo, eis uma abordagem ao método de discernimento pastoral da diferença.


2. Teologia da Diferença          

“Porque somos todos diferentes, todos temos algo de único com que contribuir, e todos os contributos contam.”[1] O que se entende por diferença? Mas porque somos todos diferentes? Quem criou a diferença?
A diferença é o tesouro mais valioso que alguém pode ter. Por diferença entende-se “a essência que distingue uma coisa da outra”. Ora, se a nível semântico a diferença é antónimo de identidade, a nível filosófico ambos se complementam. A identidade de alguma coisa define-se pela sua diferença. Um indivíduo torna-se único quanto mais diferente for de todos os outros, e na mediada em que é único (diferente) é indivíduo.
Ao olharmos a história recente da filosofia, o princípio de identidade imperou na modernidade, na qual Descartes e Kant sublevaram a capacidade e autonomia humana, de tal modo que cada sujeito, focado apenas em si próprio (na sua identidade), construía a sua felicidade subordinada aos seus fins pessoais (narcisismo). Por isso, a diferença (os outros) era um obstáculo à felicidade pessoal.
No período do vazio (nihilismo), emerge o princípio da indiferença com Nietzsche e Heidegger. Dado que nascemos para a morte, instala-se então uma felicidade light. O que importa é o presente e o bem-estar pessoal, surgindo assim um estado de indiferença para com os outros.
Por seu turno, na pós-modernidade vigora o princípio da diferença. Uma vez que tudo na realidade se comunica, Emmanuel Lévinas sustenta que o Homem não pode fechar-se em si próprio (identidade) ou ficar indiferente a esta realidade. Como tal, a existência humana pauta-se por encontros entre alteridades (diferença), nas quais Deus também se revela no rosto do outro. Mas quem é este Deus?
            O cristianismo professa a fé num Deus Uni-Trino. Se o politeísmo moderno prima pela pluralidade de deuses como personificação de diversas realidades imanentes (conflito entre deuses pessoais), a diferença cristã assenta num monoteísmo. É Deus que vem ao encontro do Homem (revelação), e não uma criação do próprio Homem. Ao contrário do que afirma José Saramago[2], é Deus que se revela ao Homem, que se dá a conhecer, querendo estabelecer com ele uma relação de amizade.
            Copulativamente, o monoteísmo cristão distingue-se ainda do monoteísmo judaico e islâmico, na medida em que a diferença faz parte da identidade de Deus. Ao contrário destes monoteísmos, o cristianismo professa um Deus que se revela totalmente como é, ao encarnar na pessoa de Jesus Cristo (Filho de Deus),[3] não ficando somente encarcerado em parte na sua transcendência, revelando-se apenas num nome (judaísmo), ou encarcerado quase totalmente, revelando-se apenas na inspiração de um livro sagrado. (Islão)
Jesus Cristo, por sua vez, revela um Deus que é Pai, mas simultaneamente também é Filho e Espírito Santo: Deus Uni-Trino. Em Deus há assim uma comunhão dialógica entre três pessoas diferentes, pautada por uma relação de amor (unidade na trindade). Tal relação leva-nos a afirmar que Deus é amor. Mas tal relação é possível porque Deus é diferença (três pessoas diferentes), pois sem alteridade não há relação de amor, mas egoísmo ou subordiacionismo.
Se a diferença já existe em Deus, logo só Ele pode ter sido o criador da diferença. Como tal, compete-nos discernir se tal processo ocorreu como criação ou evolução.
A diferença é uma marca da nossa realidade humana. Deus cria para comunicar o ser, pois Ele é o Ser Subsistente (que subsiste por si só), e a bio-diversidade expressa a riqueza e bondade de Deus que criou, não uma, mas uma pluralidade de espécies.
Por isso, “No princípio era a diferença…” pois Deus creatio ex nihilo. Ao nada sucede a diferença. Deus é então o criador de tudo o que existe, inclusivamente do Homem, na medida em que se apresenta como causalidade primeira. Ele criou livremente o mundo, e o mundo é dotado de autonomia (ex: leis da natureza e a liberdade das criaturas). Logo, a evolução, comprovada pela ciência, é entendida aqui como causalidade segunda. Isto é, ao acto criador de Deus sucede a criação contínua: a fabricação e a geração (transformação do ser já doado por Deus) como acções próprias das criaturas. E mesmo que o Homem seja fruto desta evolução, ele desempenha um papel fulcral nesta obra da criação.
Ele está encarregue de zelar pela harmonia deste mundo. Mas mesmo assim, ele não está sozinho nesta missão. Embora respeitando a autonomia das criaturas que agem em função da lei natural ou da própria liberdade, Deus age indirectamente neste processo evolutivo mediante a providência divina (plano ordenador de Deus). Todavia, por incrível que pareça, a autonomia das criaturas e de Deus não se anulam, pelo contrário, estão em pleno concursum.
Por conseguinte, o Homem desempenha a missão de cuidar deste mundo criado por Deus. Ele é co-criador e, como tal, vai criando a diferença. E todo o progresso humano só faz sentido na medida em que é uma antecipação do Reino de Deus (projecto de Deus revelado por Jesus Cristo).
Posto isto, nós concluímos que a diferença é um conceito fulcral no monoteísmo cristão e um dom do Deus-criador concedido às suas criaturas. Além disso, é um conceito que revela uma nova linguagem[4] sobre Deus e o Homem: são diferença. Logo, é uma categoria emergente para a Pastoral da Igreja, que tem por missão proporcionar ao Homem precisamente o encontro com este Deus-diferença. Ora, e é nesse encontro que Ele se compreende como um ser também dotado de diferença.
Neste sentido, perguntamos: qual a novidade do método pastoral de Sergio Lanza?


3. A novidade do método de Sérgio Lanza

Falar da novidade do método de Sergio Lanza implica elaborar uma breve resenha histórica[5] dos métodos precedentes da Teologia Pastoral, no intuito de se actualizar os seus benefícios e limites, bem como descobrir a vantagem deste método. Porém, antes de mais convém esclarecer a especificidade da Teologia Pastoral.
A Teologia Pastoral possui as seguintes características que definem a sua especificidade. Um âmbito: estudos teológicos. Uma referência próxima: a concepção eclesiológica. Uma referência última: a fé da Igreja. Um objecto: a acção da Igreja. Uma ajuda: as ciências auxiliares que, com carácter inter-disciplicar, ajudam ao conhecimento da realidade. Uma finalidade próxima: iluminar a prática eclesial concreta e dar-lhe as pautas para a sua identificação. Uma finalidade última: servir a missão da Igreja. E um método: a análise qualitativa da situação concreta eclesial para, desde a projecção de uma situação nova, trazer os imperativos básicos da acção.[6]
Neste sentido, até ao Concílio Vaticano II vigorou o método dedutivo, o qual inscrevia nas práticas concretas a razão teológica das fórmulas dogmáticas, sucedendo-se depois o método indutivo, com o Vaticano II, o qual, pelo contrário, parte inicialmente das experiências concretas.
Dado o carácter linear de ambos os métodos (dados teológicos e realidade pastoral), Marc Donzé propõe o método de correlação, no qual articula o método dedutivo e indutivo. Contudo, este método corre o perigo de minimizar ou adaptar os dados teológicos ou os dados empíricos, como afirma M. Midali. Na mesma linha de Donzé, Gagnebin pretende criar um carácter externo à correlação (Espírito), no intuito de haver um método que dê um teor teológico a todo o processo. Na linha da correlação, há a referir os métodos “ver, julgar e agir” (JOC) e o “caminho empírico-crítico”.
Posto isto, M. Midali integra os elementos dos métodos anteriores, conferindo-lhe um carácter projectivo: a projecção como uma dimensão que integra as três fases do seu método (método de teor projectivo). Contudo, este método peca por ser meramente aplicativo.
Ora, é precisamente nesta linha de Midali que Lanza crítica os métodos anteriores por sofrerem ou de uma utopia tradicionalista ou futurista. Por isso, desenvolve uma reflexão teológica sobre o processo metodológico como discernimento. Toda a sua reflexão (e respectiva novidade) visa ser uma proposta à edificação/renovação da comunidade cristã.
No que concerne aos critérios, o discernimento como caminho para a renovação integra os seguintes: o discernimento faz-se no fio de uma memória histórica (é um acto de tradição); há um quadro antropológico-cultural, onde se explica a referência eclesial; está ligado à comunhão e ordenado à edificação comum (perspectiva diaconal e de responsabilidade); é operativo, pelas orientações que fornece, gradual, pois as acções que faz emergir não são automáticas mas de tipo peregrinacional, aberto e dinâmico, na medida em que não cai em absolutos e respeita a liberdade, como lugar criacional.
Neste sentido, a originalidade do seu método reside precisamente no discernimento, como uma qualidade patente nos três momentos do processo metodológico: análise e avaliação, na qual se olha a realidade a partir de uma perspectiva da fé (dimensão kairológica); decisão e projecção, na qual se determina um objectivo (projeto) concreto; em último, actuação e verificação, na qual se executa e avalia a aplicabilidade do projecto, concebido no momento anterior, na realidade pastoral.  
                Posto isto, surge a questão: quais as marcas específicas (novidade) que distinguem o método de Lanza, fundado numa teologia do discernimento?
Podemos enumerar quatro. A participação pois o sujeito por excelência da acção pastoral é a comunidade. A verificação da operacionalidade e dos resultados para aferir a transformação da realidade, que constitui um dos momentos imprescindíveis. Aliás, é daqui que nasce o projecto que diz respeito à comunidade e que a edifica: desenvolve nela a corresponsabilidade e sinodalidade, sem as quais não há autêntica construção. Por fim, a conversão, pois visa uma transformação interior e uma postura contemplativa. E ao contrário de Midali, este método não se fica pela aplicação, mas é acção e compreensão.
Quanto às fases, este método assenta num itinerário de “cinco questões”: questão (primária), visa a formulação de questões pertinentes para a projecção pastoral; questão rezada (oração), escutar os apelos de Deus; questão reflectida (reflexão), quer a nível pessoal quer comunitário; questão objectivada (objectivação), que assenta no diálogo e aprofundamento; questão em via de solução (decisão), visa a elaboração do projecto pastoral (objectivos, etapas, actores, meios e instrumentos).
Em síntese, nesta proposta ressalta-se a importância de projectar a acção pastoral e de verificar a sua operacionalidade. O discernimento confere a esta proposta a sua originalidade: a escuta dos dons em regime de corresponsabilidade e a atitude espiritual e pneumatológica que exige (atitude própria de quem vive na promessa do Reino de Deus).


4. Método do discernimento pastoral da diferença

            Após uma sucinta exposição da Teologia da Diferença e das marcas do método de Sergio Lanza, segue-se a elaboração de um novo itinerário pastoral: o qual tem por base o método de Lanza, a introdução das técnicas de pesquisa qualitativa e a categoria teológica da diferença. Deste modo, e porque a Teologia deve ter sempre uma raiz bíblica[7], julgo pertinente partimos de um fundamento bíblico.
            “E quem é o meu próximo?”, pergunta um doutor da lei a Jesus, depois de Ele propor a radicalidade do mandamento do amor. Para uma resposta à altura, Jesus serve-se da parábola do Bom-Samaritano ( Lc 10,30-35). Um texto que nos ensina a escutar o silêncio da diferença.
Ora, o que estava meio-morto (assaltado) não pediu socorro, mas o bom-samaritano ouviu a sua interpelação silenciosa (cuida de mim, salva-me!).[8] O sacerdote e o levita vêem-no mas evitando-no, porque nada nele pode satisfazer os seus desejos (egoísmo), e só iriam perder tempo. O samaritano, por sua vez, interrompeu a sua viagem, perdeu tempo e perdeu dinheiro (“o que gastares a mais, pagar-to-ei quando voltar”). Acima da sua auto-satisfação, do seu proveito próprio, está a figura do outro: está a sua diferença (alteridade).
A partir desta interpretação, emerge um novo sentido para o conceito do amor, categoria teológica central no monoteísmo cristão. O amor vivido na solidão (levita e sacerdote) gera o egoísmo. Mas o amor vivido na diferença (samaritano) gera a hospitalidade.
O termo hospitalidade provém do termo latino “hostis” (inimigo). A hospitalidade, no sentido etimológico do termo, é acima de tudo uma hostilidade, pois o outro é visto como um inimigo, um estranho, um estrangeiro (exterior), um diferente que vem colocar em risco a minha liberdade (interior).
Contudo, a hospitalidade é mais do que isso. Como fruto da articulação entre amor e diferença, ela assenta numa relação sadia com a alteridade, cuja finalidade é assumir a vulnerabilidade do outro (torná-la como sua), que se apresenta como hóspede.[9] Ela visa então salvaguardar a diferença do outro: foi o que fez o samaritano. Mas uma hospitalidade que negue a liberdade do outro não é hospitalidade, mas aniquilação e indiferença: foi o que fizeram o levita e o sacerdote. Na verdade, nem sempre a diferença é visível e audível. A originalidade está em escutar o silêncio da diferença
            Neste sentido, surge a questão: como articular o itinerário pastoral de Lanza a partir desta parábola do Bom-Samaritano?
Em primeiro lugar, recordemos os “passos” principais da atitude do Samaritano: “ia de viagem, chegou ao pé dele e viu-o”; “encheu-se de compaixão”; “aproximou-se”; “ligou-lhe as feridas (…) levou-o para uma estalagem e cuidou dele”; “pediu ao estalajadeiro para cuidar dele durante a sua ausência”.
Tendo presente o itinerário do método de Lanza, o Samaritano seguia a normalidade da sua vida (“ia de viagem”) até que surge um obstáculo/desafio que o faz parar e questionar (“chegou ao pé dele, viu-o”): um homem espancado no meio do caminho (questão).
Perante isto, o samaritano “enche-se de compaixão”, pois perante Deus-Pai reconhece-o como um irmão, e perante o mesmo Deus-diferença não pode ficar indiferente para com aquele que clama por hospitalidade (questão rezada/oração).
Por isso, ele “aproxima-se” e analisa o caso de perto: quais as causas que levaram aquele homem a estar naquele estado? (questão reflectida/reflexão) Então o Samaritano deduz que ele provavelmente foi assaltado, espancado e abandonado por salteadores no mesmo caminho que percorria entre Jerusalém e Jericó. Depois desta análise, o Samaritano estuda, discerne e reflecte melhor sobre aquela situação: o que fazer concretamente para alterar a situação daquele homem no meio do caminho? (questão tornada objecto/objectivização).
Uma vez estudada a situação e necessidades vitais daquele homem, o Samaritano projecta a sua acção ao pormenor: “ligar-lhe as feridas, deitar-lhe azeite e vinho, levá-lo a uma estalagem e cuidar dele.” (questão em via de solução/decisão).
Mas a sua acção de hospitalidade não termina aqui. Ele precisa de ter a certeza de que aquele homem fica curado e por isso diz ao estalajadeiro: “Trata bem dele e, o que gastares a mais, pagar-to-ei quando voltar!”, (momento da verificação).
Assim, este método visa escutar o silêncio da diferença obstruída, propondo um itinerário de respeito pela diferença. E porquê? Porque obstruir a diferença é obstruir o Homem, pois o Homem é diferença: é esta que define a sua identidade. E por conseguinte, obstruir o Homem-criatura é obstruir Deus-Criador, pois Deus também é diferença.
            Para terminar, emerge a última questão: em que momento colocar então a técnica de pesquisa qualitativa neste itinerário do método do discernimento pastoral da diferença, fundado no método de Sergio Lanza? No meu parecer, creio que é no terceiro passo deste itinerário. Concretizemos.
Os desafios pastorais são uma constante e surgem naturalmente com o evoluir (social) da humanidade. Não há meio de os evitar (“ia de viagem, chegou ao pé dele e viu-o”/questão), uma vez que o problema do Homem é o problema da Igreja. Logo, urge uma leitura destes à luz da fé perante o Deus-diferença (“encheu-se de compaixão”/questão rezada), pois a diferença é uma marca da humanidade, como vimos anteriormente (é um dom do Deus-Criador). Ora, guiados pela luz do Espírito, há que analisar o obstáculo de perto (“aproximou-se”/questão reflectida), e é precisamente neste momento que entram as técnicas de pesquisa qualitativa (ex.: pesquisa documental, estudo de caso, etnografia…)[10], para fornecerem uma leitura qualitativa da realidade em si: acima de tudo trata-se de ler os sinais dos tempos.[11] Depois desta leitura, segue o momento de discernir (questão tornada objecto) com humildade, paciência, sabedoria, testemunho e caridade a respectiva acção pastoral a tomar (“ligou-lhe as feridas, levou-o para uma estalagem e cuidou dele”/questão em vias de solução), partindo dos dados dessa leitura qualitativa. Por fim, segue-se o momento da verificação (“Trata bem dele e, o que gastares a mais, pagar-to-ei quando voltar!”), que influenciará o discernimento da acção pastoral posterior.
Em suma, o método de discernimento pastoral da diferença consiste no seguinte itinerário: questão (desafio pastoral), questão rezada, questão reflectida (técnicas de recolha de dados da pesquisa qualitativa), questão tornada objecto, questão em vias de solução, questão verificada (momento da verificação/avaliação). Um método que prima pela escuta dos diferentes dons do Espírito Pentecostal.


5. Conclusão

Em jeito de conclusão, considero vantajoso a “integração oficial” desta técnica de recolha de dados num método pastoral, na medida em que potencia o método de Sergio Lanza e, consequentemente, o método de discernimento pastoral da diferença.
Na verdade, se Deus é diferença (Pai, Filho e Espírito Santo). Se a diferença é um dom do Deus-Criador. Se o Homem habita num mundo que tem por marca a diferença (biológica, genética, psicológica…). Se a diferença gera a identidade pessoal do Homem. E se o espírito pentecostal se manifesta de forma diferente em cada Homem.[12] Logo, há que saber discernir pastoralmente o silêncio da diferença, a exemplo do Bom-Samaritano.
Por outras palavras, perante os desafios pastorais compete discernir os sinais dos tempos desta realidade diferenciada, através dos quais o Deus-diferença nos fala. E quais os grandes desafios à Igreja nos dias de hoje, mais propriamente à Igreja em Portugal?
No meu entender, enumero os seguintes desafios: panorama europeu (nova-evangelização), maçonaria de teor político, globalização, neopaganismo, New Age, novas tecnologias (Internet), Bioética (aborto e eutanásia), pastoral dos santuários, influência junto da juventude, catequese e a renovação da prática sacramental.
Para terminar esta longa reflexão, fica em suspenso uma pergunta final, que será um desafio para um eventual desenvolver deste trabalho: não será que os problemas levantados pela técnica de recolha de dados da pesquisa qualitativa[13], como um momento do itinerário do método pastoral, pode prejudicar toda a operacionalidade do método em questão?

José Miguel Cardoso
[1] Jonathan Sacks, A dginidade da diferença. Como evitar o choque das civilizações, p. 38.
[2] “A história dos homens é a história dos seus desentendimentos com deus, nem ele nos entende a nós, nem nós o entendemos a ele.” José Saramago, Caim, p. 91.
[3] “De facto, a novidade do anúncio cristão é a possibilidade de dizer a todos os povos: Ele mostrou-se. Ele em pessoa. E agora está aberto o caminho para Ele. A novidade do anúncio cristão não consiste num pensamento mas num facto: Ele revelou-se.” Bento XVI, Verbum Domini, 92.
[4] “(…) Nessa medida, temos também de encontrar novas palavras e novos meios para possibilitar ao homem a ruptura com a finitude.” Bento XVI, Luz do Mundo. O Papa, a Igreja e os Sinais do Tempo, p.170.
[5] cf. Capítulo VII: Metodologia na Teologia Pastoral, in José da Silva Lima, Teologia Prática Fundamental. Fazei Vós, Também, pp. 275-308.
[6] cf. Julio Ramos, Teología Pastoral, pp. 14-15.
[7] “A sagrada Teologia apoia-se, como em perene fundamento, na Palavra de Deus escrita (…). As sagradas Escrituras, contêm a palavra de Deus; por isso, o estudo destes sagrados livros há-de ser como que a alma da sagrada Teologia.” Dei Verbum, 24.
[8] “Estava ali um homem que se entregava completamente àquele samaritano, deixando a sua vida toda nas suas mãos. (…) E, todavia, eu oiço um mandamento fortíssimo, não condicional (‘si quiseres, podes salvar-me’), mas incondicional (‘tu deves salvar-me”), que me obriga a tomar uma decisão indeclinável.” António Couto, Como uma Dádiva. Caminhos de Antropologia Bíblica, p. 278.
[9] “Desejar que o Outro venha, é aceitar que, pelo próprio facto da relação, uma separação radical se cave entre o Mesmo e o Outro. Neste caso, a hospitalidade é afirmação da interioridade daquele que acolhe e interioridade daquele que é acolhido.” [9] Isabel Varanda, «Figuras e espectros da hospitalidade», in Theologica 36 (2001) 131.
[10] Quando se refere aqui pesquisa qualitativa entenda-se, não num sentido exclusivo, mas a correlação entre pesquisa qualitativa e quantitativa, na medida em que ambas se complementam. Ou seja, não se exclui também a pesquisa quantitativa.
[11] “Para levar a cabo esta missão, é dever da Igreja investigar a todo o momento os sinais dos tempos, e interpretá-los à luz do Evangelho; para que assim possa responder, de modo adaptado em cada geração, às eternas perguntas dos homens acerca do sentido da vida presente e da futura, e da relação entre ambas.” Gaudium et Spes, 4.
[12] “Há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo; há diversidade de serviços, mas o Senhor é o mesmo; há diversos modos de agir, mas é o mesmo Deus que realiza tudo em todos. A cada um é dada a manifestação do Espírito, para proveito comum. A um é dada, pela acção do Espírito, uma palavra de sabedoria; a outro, uma palavra de ciência, segundo o mesmo Espírito; a outro, a fé, no mesmo Espírito; a outro, o dom das curas, no único Espírito; a outro, o poder de fazer milagres; a outro, a profecia; a outro, o discernimento dos espíritos; a outro, a variedade de línguas; a outro, por fim, a interpretação das línguas. Tudo isto, porém, o realiza o único e o mesmo Espírito, distribuindo a cada um, conforme lhe apraz.” 1Cor 12,4-11.
[13] De entre os problemas levantados pela pesquisa qualitativa, Manning enumera os seguintes: o problema de linguagem com a expressão das ideias e o facto de que estas devem ser descodificadas para que a análise qualitativa seja feita. Uma vez que os dados observados são postos por escrito, uma má interpretação do próprio texto ou uma defeituosa relação entre significante e significado, pode condicionar os resultados da própria análise. A própria tarefa de colectar os dados é extremamente trabalhosa, pois urge registá-los, organizá-los, codificá-los e analisá-los. Por isso, o cansaço e a saturação podem levar o pesquisador a um descuido, omissão e incorrecta análise dos dados. Convém ainda acrescentar a subjectividade do pesquisador que, por muito que se evita, incute sempre um cunho/preconceito pessoal sobre a análise. Por fim, convém ter em conta que, erradamente, muitas vezes analisa-se fenómenos naturais do mesmo modo que os sociais. cf. José Luís Neves, Pesquisa qualitativa: características, usos e possibilidades, in Caderno de pesquisas em administração, v.1, n.º3, São Paulo, 1996.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

 Metodologias em Teologia Pastoral
Resumo do capítulo VII: Metodologia na Teologia Pastoral,
in José da Silva Lima, Teologia Prática Fundamental. Fazei Vós, Também,
Universidade Católica Editora, Lisboa 2009, pp. 275-308.
Parte I: Resumo do artigo
 
Nas últimas décadas, a Igreja tem dialogado imenso com as Ciências Sociais e Humanas (Sociologia, Psicologia, História, Ciências da Educação…) as quais ao longo tempo foram aperfeiçoando os saberes específicos e avançando tecnicamente a nível de metodologias. Como tal, a Teologia Prática tem acompanhado esta evolução, estando em constante diálogo, como parceira que dá e recebe, que critica e aprende.
Assim, neste capítulo temos uma reflexão sobre as metodologias em Teologia Prática, apurando um sistema variado de técnicas de investigação surgidas noutras áreas do saber apropriadas à investigação das práticas eclesiais na construção da Igreja. Abordam-se assim os métodos mais clássicos, chegando às propostas mais recentes nesta área da Teologia.

1.      Da dedução à indução. Um novo ponto de partida
O método dedutivo foi o método predominante até ao Concílio Vaticano II. Usava-se um método dedutivo no sentido de inscrever nas práticas concretas a razão teológica das fórmulas dogmáticas.
Por isso, a teologia prática era concebida como conclusão de todo um conjunto de saberes teológicos. Havia assim um fosso entre a reflexão teológica e a prática eclesial, na medida em que se fazia um estudo independente, ignorando os contextos, crises e expectativas do mundo em que se situava a Igreja. Neste sentido, este método pecava pelo carácter homogéneo: pressuponha a realidade como sendo toda ela homogénea, quando na verdade ela é bastante heterogénea. E consequentemente, a teologia prática era considerada de segundo plano.
Por seu turno, o método indutivo foi um método adoptado pelo Vaticano II e posterior reflexão teológica, por influência das Ciências Humanas e Sociais. Portanto, constitui-se um novo ponto de partida: das experiências concretas (heterogeneidade do real), da sua análise e hermenêutica, para dar pertinência à leitura teológica que delas se pode fazer. Um contributo importante foi a Teologia da Libertação (na leitura da situação dos pobres e desfavorecidos).
Este novo ponto de partida (dados empíricos) gerou um diálogo entre a Teologia e as Ciências Humanas e Sociais, evitando assim diagnósticos idealistas, um dos perigos do método dedutivo. Contudo, este método corre o perigo de, senão pressupor os dados da fé, levar a orientações inadequadas.

2.      Método da correlação
O facto de o método dedutivo e indutivo terem o carácter demasiado linear (o que varia é apenas o ponto de partida, porque o esquema é o mesmo), pecam por haver apenas uma fase de carácter teológico.
Desta forma, Marc Donzé propõe um outro método no intuito de ultrapassar a linearidade dos métodos mais clássicos: método da correlação. Segundo o autor, este método comporta cinco momentos: percepção das práticas problemáticas e das questões que elas colocam; análise crítica destas num vínculo com as aquisições das ciências humanas; correlação (relação prática entre o dados empíricos e os da revelação); fase de projecto, onde se procura encontrar cenários para um agir pastoral adequado; e verificação que permitirá avaliar a pertinência do projecto. Resumindo, chama-se de correlação pois articula as duas etapas de teor analítico com as duas de teor teológico.
Nesta linha, Gagnebin afirma que é necessário ultrapassar um esquema binário de relações entre a teologia e a prática, para que encontre fora destes elementos a realidade que os fundamenta, que seria, segundo o autor, o Espírito, pautando assim um carácter teológico a todo o processo metodológico.
Nesta lógica, a teologia prática não fica reduzida às deduções lógicas, podendo interpretar de forma crítica a realidade, sempre sem a desfazer ou dispensando Deus. Este procedimento tem como objectivo a acção pastoral: para este objectivo, concorrem quer os dados da doutrina quer os dados empíricos, e uma vez conjugados os princípios da doutrina da Igreja com as situações relevantes que são interpretadas, emergem daí as orientações práticas.
Todavia, para M. Midali este método conjugativo não é muito satisfatório, pois ao tentar conciliar a doutrina com os dados empíricos pode-se minimizar ou adaptar, de uma parte ou de outra, os dados de análise ou os princípios críticos.
Copulativamente, há um outro método a referir: ver, julgar e agir. Trata-se do método que tem sido mais aplicado nas últimas décadas, o qual tem por base a prática da correlação e fundado no modelo de revisão de vida da JOC (centrar-se num facto de vida, interpretá-lo à luz da fé e assumir um comportamento de conversão). Por isso, este método assenta num triplo momento: observação pastoral (ver), interpretação pastoral (julgar) e acção pastoral (agir).
O primeiro momento assenta numa leitura profunda da realidade, só possível com o auxílio dos outros ramos do saber, onde se estudará: os valores, ideologias, contextos… da realidade (análise em profundidade). No segundo momento faz-se um juízo crítico da realidade estudada à luz do Evangelho, procurando responder à questão: “que diz Deus à Igreja por meio daquilo que acontece?” O último momento assenta num conjunto de orientações a serem postas em prática em ordem à transformação da realidade (parte de uma praxis para chegar a outra praxis), ou seja, traçando pistas de acção de acordo com o plano de Deus (concretização do Reino de Deus).
Quanto à unidade do método, o primeiro e o segundo momento visa uma análise e interpretação da realidade, possibilitando uma apurada atenção às realidades que se modificam. O segundo e o terceiro momento visam colocar em prática o conjunto de interpelações que o mundo suscita. O primeiro e o terceiro momento requerem o diálogo com as Ciências Humanas e Sociais para uma correcta acção.
Por fim, um outro método a abordar, é o método do caminho empírico-crítico. Trata-se também de uma outra modalidade de conjugação (correlação) entre Dedução e Indução, proposto por Poling e Miller, apresentado um caminho metodológico em seis etapas: descrição da experiência vivida; compreender a atenção crítica à prospectiva e aos interesses; definir a prática da correlação de prospectivos entre cultura e tradição cristã (apresentar as razões da esperança cristã, no mundo cultural de hoje); interpretação do sentido e valor dos dados das etapas anteriores; hermenêutica da própria comunidade; orientações de acção para dar um novo rosto à comunidade. Neste sentido, a teologia prática surge neste método como o ponto de encontro entre a Teologia e as Ciências Humanas.
3.      Métodos de teor projectivo e de discernimento
Como tentativa de superar as limitações dos métodos precedentes, Midali apresenta um outro itinerário metodológico onde tenta integrar de forma unitária e articulada os elementos dos métodos precedentes tendo em conta as sugestões experimentadas na área do âmbito euro-americano. Chama a este método o itinerário metodológico de teor: empírico, pela análise das práticas vigentes e pela procura de práticas renovadas; crítico-hermenêutico, pela interpretação das práticas e pelas metas e estratégias que propõe; teológico, pois há um foco de luz de fé que orienta as três fases; e projectivo, pois tem como finalidade reprojectar praxis renovadas e reorientadas (projectar uma praxis mais adequada e actualizada).
Para C. Floristán, este método é uma adaptação campo da pastoral do método de revisão de vida, construindo também o método em três fases elaboradas teologicamente: a kairológica (análise avaliativa das situações concretas), projectiva (enquanto projecção da praxis desejada) e a estratégica (enquanto programação da passagem a efectuar entre as situações dadas e as desejadas.
Esta proposta comporta três novidades históricas: propõe uma metodologia teológica de inicio ao fim; a proposta é inovadora na própria reflexão ao aplicar o conceito de projecto e fazendo do seu carácter projectivo uma dimensão que o integra nas três fases e é uma proposta informalmente pneumatológica. Contudo, peca por ser meramente aplicativo (aplicar teologia).
Outra proposta sobre a metodologia em teologia prática é o método do discernimento teológico pastoral de Sergio Lanza. Ele está convencido que a projectualidade e o discernimento constituem as estradas mestras sobre as quais se dinamiza o renovamento da comunidade cristã. Por isso, desenvolve um reflexão teológica sobre o processo metodológico como “discernimento”. Toda a sua reflexão (e respectiva novidade) visa ser uma porposta à edificação da comunidade cristã.
Neste sentido, ele começa por criticar os métodos pastorais vigentes os quais sofrem de uma utopia tradicionalista, pretendendo reproduzir constantemente o passado, ignorando a novidade, e de uma utopia futurista, desligada do passado. Logo, o método dedutivo e indutivo eram insuficientes e estavam centrados numa ilusão positivista e/ou futurista.
A originalidade do método de Lanza, que está próximo do método projectivo de M. Midali, assenta no discernimento, como uma qualidade específica presente nos três momentos do método, e não em apenas um: análise e avaliação; decisão e projecção; actuação e verificação. Lanza apresenta assim uma teologia do discernimento: o discernimento como uma leitura cristológica (vinculado à sabedoria da Cruz) da realidade sob influxo do Espírito Santo. Portanto, mais do que uma aplicação, assenta na acção e na compreensão.
Relativamente às características deste método, o discernimento compreende a comunhão (o discernimento é um trabalho exercido no dinamismo da comunidade); como acto teologal, o discernimento implica a conversão; e compreende ainda a “maturidade sapiencial”, pois para se discernir é necessária uma atitude profética (que lê num panorama temporal) e sábia (ler em profundidade). Todo o discernimento implica o testemunho da caridade.
No que concerne aos critérios, o discernimento como caminho para a renovação integra os seguintes: o discernimento faz-se no fio de uma memória histórica (é um acto de tradição); há um quadro antropológico-cultural, onde se explica a referência eclesial; está ligado à comunhão e ordenado à edificação comum (perspectiva diaconal e de responsabilidade); é operativo, pelas orientações que fornece, gradual, pois as acções que faz emergir não são automáticas mas de tipo peregrinacional, aberto e dinâmico, na medida em que não cai em absolutos e respeita a liberdade, como lugar criacional.
Quanto às fases, este método engloba cinco “questões”: questão (primária), visa a formulação de questões pertinentes para a projecção pastoral; questão rezada (oração), escutar os apelos de Deus; questão reflectida (reflexão), quer a nível pessoal quer comunitário; questão objectivada (objectivação), que assenta no diálogo e aprofundamento; questão em via de solução (decisão), visa a elaboração do projecto pastoral (objectivos, etapas, actores, meios…).
Copulativamente, a participação é uma masca deste método, pois o sujeito por excelência da acção pastoral é a comunidade. Neste método, a verificação da operacionalidade e dos resultados para aferir a transformação da realidade, constitui um dos momentos imprescindíveis. Aliás, é daqui que nasce o projecto que diz respeito à comunidade e que a edifica: desenvolve nela a corresponsabilidade e sinodalidade, sem as quais não há autêntica construção.
Em suma, nesta proposta ressalta-se a importância de projectar a acção pastoral e de verificar a sua operacionalidade. O discernimento confere a esta proposta a sua originalidade: escuta dos dons em regime de corresponsabilidade e a atitude espiritual e pneumatológica que exige (atitude própria de quem vive na promessa do Reino de Deus).

4.      Diálogo com as Ciências Sociais e Humanas
Uma das marcas do último quartel do séc. XX é o diálogo da Teologia com as Ciências Humanas e Sociais. A Teologia Prática situa-se precisamente no cruzamento entre a Teologia Sistemática e as Ciências Humanas e Sociais.
Na verdade, as ciências mais procuradas foram: Pedagogia e Psicologia, imposto pelas novas dinâmicas pastorais desenvolvidas na catequese e formação do clero e leigos; Antropologia, Sociologia e História, imposto pelos indícios de secularização, que exigiu um estudo da sociedade.
Ora, nesta relação entre a Teologia e tais saberes, podemos apontar três momentos desta relação em Portugal: até aos anos 80, uma relação de cautela e desconfiança; até ao início do séc. XXI, uma relação de alguma canonização dos dados reais que as análises sociológicas faziam transparecer; até hoje, um diálogo inter-disciplinar (relação de parceria).
De facto, a Teologia Prática é o lugar privilegiado do diálogo entre a Teologia e as Ciências. O contributo destas torna-se cada vez mais imprescindível à Teologia Prática: por um lado, não há Teologia Prática sem a inclusão da descrição das situações a um discurso possível; por outro lado, não se consegue estar sem as condições vinculadas à Teologia e à Tradição.
A Teologia Prática é então eminentemente lugar hermenêutico, pois é o lugar da pluralidade de saberes. Como tal, a T. Prática mantém um vínculo essencial com a praxis e desenvolve-se em quatro partes que a estruturam: interpretação da prática, organização da intervenção, planificação, e a reflexão teológica subjacente ao processo.
Consequentemente o diálogo com outros saberes é essencial para se desvendar o sentido de Deus nas situações concretas. Se os momentos metodológicos são três, quatro ou cinco, não é relevante, porque o importante é que não se esqueça nenhum dos dados essenciais: a comunidade e as suas práticas, a leitura crítica inter-disiciplicar e a projecção de situações novas com sentido. Por isso, requer-se um trabalho em equipa.
Relativamente às aportações que as Ciências Sociais e Humanas fornecem à Teologia Prática, podemos referenciar três principais processos/técnicas de recolha de informação (que é diferente de metodologias): biografia, a qual faz referência ao itinerário de vida de uma ou várias pessoas em ordem a analisar o meio social; técnica etnográfica, um processo que visa chegar à percepção das vivências concretas das comunidades (o investigador passa um tempo adequado no campo de investigação, participando nos rituais da comunidade); técnica do estudo do caso, um processo que se centra sobre um caso particular, estudando-o em profundidade. E porque as comunidades eclesiais são organismos dotados de riquezas bem como de fraquezas, estas técnicas podem facilitar o seu conhecimento.
Parte II: Crítica pessoal
 
Depois da leitura do capítulo, podemos resumi-lo no seguinte:
Perante o método dedutivo que vigorou até ao Vaticano II, o qual inscrevia nas práticas concretas a razão teológica das fórmulas dogmáticas, sucede-se o método indutivo, com o Vaticano II, o qual, pelo contrário, parte inicialmente das experiências concretas.
Dado o carácter linear de ambos os métodos (dados teológicos e realidade pastoral), Marc Donzé propõe o método de correlação, no qual articula o método dedutivo e indutivo. Contudo, este método corre o perigo de minimizar ou adaptar os dados teológicos ou os dados empíricos, como afirma M. Midali. Na mesma linha de Donzé, Gagnebin pretende criar um carácter externo à correlação (Espírito), no intuito de haver um método que dê um teor teológico a todo o processo. Na linha da correlação, há a referir os métodos “ver, julgar e agir” (JOC) e o “caminho empírico-crítico”.
Posto isto, M. Midali integra os elementos dos métodos anteriores, conferindo-lhe um carácter projectivo: a projecção como uma dimensão que integra as três fases do seu método (método de teor projectivo). Contudo, este método peca por ser meramente aplicativo.
Na linha de Midali, Lanza crítica os métodos anteriores por sofrerem ou de uma utopia tradicionalista ou futurista. Neste sentido, a originalidade do seu método reside no discernimento, como uma qualidade dos três momentos do processo metodológico. Além disso, uma das características é a participação de todo a comunidade no método (corresponsabilidade) e a verificação. E ao contrário de Midali, este método não se fica pela aplicação, mas é acção e compreensão.
 
Segundo um parecer pessoal, o método de Lanza abala muitos dos nossos programas pastorais, nomeadamente o carácter avaliativo (verificação) que carece neles muitas vezes. Isto é, a programação pastoral não termina com a formulação de orientações práticas, mas precisamente no fim da aplicação dessas orientações, cuja operacionalidade ou não, por sua vez, terá um contributo crucial para a definição do programa seguinte. Mais concretamente, será que nós, responsáveis pela pastoral, temos feito constantemente a avaliação da operacionalidade daquilo que propomos? Além disso, será que damos espaço para que os leigos possam dar o seu parecer pastoral, eles, que além de terem uma sensibilidade pastoral diferente da nossa (logo, enriquecedora), conseguem penetrar mais facilmente na trama da realidade humana (GS 4)?
Aliás, o carácter avaliativo faz com que o método nunca seja fechado, mas cíclico, ou seja, que se renova, e na medida em que se renova com as frequentes avaliações, aperfeiçoa-se à realidade e a sua operacionalidade é mais acertada.
Mas a participação do laicado não deve ser apenas para avaliar a operacionalidade do programa pastoral, mas também para a própria definição do programa pastoral, a qual muitas vezes fica ao critério do pastor. Por isso, não deveria o Código Direito Canónico impor a criação do Conselho Pastoral Paroquial (dando lugar à participação do laicado), em vez de apenas o propor? Será que a nomeação/eleição de delegados de zona, os quais representam os lugares/zonas territoriais de uma paróquia, não colherá outras e mais sensibilidades de leigos, que será importante para a definição das linhas pastorais de uma comunidade? Isto porque, na maioria das vezes, o Conselho Pastoral apenas está representado pelos movimentos da paróquia, não havendo quem represente a sensibilidade de outros leigos (que são a maioria), os quais não se inserem nesses âmbitos associativos.
Copulativamente, achei interessante o facto de o autor referir “Metodologias em Teologia Prática” e não “Metodologias da Teologia Prática”. Na verdade, os métodos da Teologia Prática não são exclusivos, mas sim uma adaptação dos meios/técnicas das Ciências Humanas e Sociais.
Por fim, penso que o texto carece por não haver referências à duração temporal dos métodos (e respectivos momentos), o que no meu entender pode ser importante, na medida em que impede que um método estanque nalgum momento do seu processo.
MITP, José Miguel Cardoso.