segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

 Metodologias em Teologia Pastoral
Resumo do capítulo VII: Metodologia na Teologia Pastoral,
in José da Silva Lima, Teologia Prática Fundamental. Fazei Vós, Também,
Universidade Católica Editora, Lisboa 2009, pp. 275-308.
Parte I: Resumo do artigo
 
Nas últimas décadas, a Igreja tem dialogado imenso com as Ciências Sociais e Humanas (Sociologia, Psicologia, História, Ciências da Educação…) as quais ao longo tempo foram aperfeiçoando os saberes específicos e avançando tecnicamente a nível de metodologias. Como tal, a Teologia Prática tem acompanhado esta evolução, estando em constante diálogo, como parceira que dá e recebe, que critica e aprende.
Assim, neste capítulo temos uma reflexão sobre as metodologias em Teologia Prática, apurando um sistema variado de técnicas de investigação surgidas noutras áreas do saber apropriadas à investigação das práticas eclesiais na construção da Igreja. Abordam-se assim os métodos mais clássicos, chegando às propostas mais recentes nesta área da Teologia.

1.      Da dedução à indução. Um novo ponto de partida
O método dedutivo foi o método predominante até ao Concílio Vaticano II. Usava-se um método dedutivo no sentido de inscrever nas práticas concretas a razão teológica das fórmulas dogmáticas.
Por isso, a teologia prática era concebida como conclusão de todo um conjunto de saberes teológicos. Havia assim um fosso entre a reflexão teológica e a prática eclesial, na medida em que se fazia um estudo independente, ignorando os contextos, crises e expectativas do mundo em que se situava a Igreja. Neste sentido, este método pecava pelo carácter homogéneo: pressuponha a realidade como sendo toda ela homogénea, quando na verdade ela é bastante heterogénea. E consequentemente, a teologia prática era considerada de segundo plano.
Por seu turno, o método indutivo foi um método adoptado pelo Vaticano II e posterior reflexão teológica, por influência das Ciências Humanas e Sociais. Portanto, constitui-se um novo ponto de partida: das experiências concretas (heterogeneidade do real), da sua análise e hermenêutica, para dar pertinência à leitura teológica que delas se pode fazer. Um contributo importante foi a Teologia da Libertação (na leitura da situação dos pobres e desfavorecidos).
Este novo ponto de partida (dados empíricos) gerou um diálogo entre a Teologia e as Ciências Humanas e Sociais, evitando assim diagnósticos idealistas, um dos perigos do método dedutivo. Contudo, este método corre o perigo de, senão pressupor os dados da fé, levar a orientações inadequadas.

2.      Método da correlação
O facto de o método dedutivo e indutivo terem o carácter demasiado linear (o que varia é apenas o ponto de partida, porque o esquema é o mesmo), pecam por haver apenas uma fase de carácter teológico.
Desta forma, Marc Donzé propõe um outro método no intuito de ultrapassar a linearidade dos métodos mais clássicos: método da correlação. Segundo o autor, este método comporta cinco momentos: percepção das práticas problemáticas e das questões que elas colocam; análise crítica destas num vínculo com as aquisições das ciências humanas; correlação (relação prática entre o dados empíricos e os da revelação); fase de projecto, onde se procura encontrar cenários para um agir pastoral adequado; e verificação que permitirá avaliar a pertinência do projecto. Resumindo, chama-se de correlação pois articula as duas etapas de teor analítico com as duas de teor teológico.
Nesta linha, Gagnebin afirma que é necessário ultrapassar um esquema binário de relações entre a teologia e a prática, para que encontre fora destes elementos a realidade que os fundamenta, que seria, segundo o autor, o Espírito, pautando assim um carácter teológico a todo o processo metodológico.
Nesta lógica, a teologia prática não fica reduzida às deduções lógicas, podendo interpretar de forma crítica a realidade, sempre sem a desfazer ou dispensando Deus. Este procedimento tem como objectivo a acção pastoral: para este objectivo, concorrem quer os dados da doutrina quer os dados empíricos, e uma vez conjugados os princípios da doutrina da Igreja com as situações relevantes que são interpretadas, emergem daí as orientações práticas.
Todavia, para M. Midali este método conjugativo não é muito satisfatório, pois ao tentar conciliar a doutrina com os dados empíricos pode-se minimizar ou adaptar, de uma parte ou de outra, os dados de análise ou os princípios críticos.
Copulativamente, há um outro método a referir: ver, julgar e agir. Trata-se do método que tem sido mais aplicado nas últimas décadas, o qual tem por base a prática da correlação e fundado no modelo de revisão de vida da JOC (centrar-se num facto de vida, interpretá-lo à luz da fé e assumir um comportamento de conversão). Por isso, este método assenta num triplo momento: observação pastoral (ver), interpretação pastoral (julgar) e acção pastoral (agir).
O primeiro momento assenta numa leitura profunda da realidade, só possível com o auxílio dos outros ramos do saber, onde se estudará: os valores, ideologias, contextos… da realidade (análise em profundidade). No segundo momento faz-se um juízo crítico da realidade estudada à luz do Evangelho, procurando responder à questão: “que diz Deus à Igreja por meio daquilo que acontece?” O último momento assenta num conjunto de orientações a serem postas em prática em ordem à transformação da realidade (parte de uma praxis para chegar a outra praxis), ou seja, traçando pistas de acção de acordo com o plano de Deus (concretização do Reino de Deus).
Quanto à unidade do método, o primeiro e o segundo momento visa uma análise e interpretação da realidade, possibilitando uma apurada atenção às realidades que se modificam. O segundo e o terceiro momento visam colocar em prática o conjunto de interpelações que o mundo suscita. O primeiro e o terceiro momento requerem o diálogo com as Ciências Humanas e Sociais para uma correcta acção.
Por fim, um outro método a abordar, é o método do caminho empírico-crítico. Trata-se também de uma outra modalidade de conjugação (correlação) entre Dedução e Indução, proposto por Poling e Miller, apresentado um caminho metodológico em seis etapas: descrição da experiência vivida; compreender a atenção crítica à prospectiva e aos interesses; definir a prática da correlação de prospectivos entre cultura e tradição cristã (apresentar as razões da esperança cristã, no mundo cultural de hoje); interpretação do sentido e valor dos dados das etapas anteriores; hermenêutica da própria comunidade; orientações de acção para dar um novo rosto à comunidade. Neste sentido, a teologia prática surge neste método como o ponto de encontro entre a Teologia e as Ciências Humanas.
3.      Métodos de teor projectivo e de discernimento
Como tentativa de superar as limitações dos métodos precedentes, Midali apresenta um outro itinerário metodológico onde tenta integrar de forma unitária e articulada os elementos dos métodos precedentes tendo em conta as sugestões experimentadas na área do âmbito euro-americano. Chama a este método o itinerário metodológico de teor: empírico, pela análise das práticas vigentes e pela procura de práticas renovadas; crítico-hermenêutico, pela interpretação das práticas e pelas metas e estratégias que propõe; teológico, pois há um foco de luz de fé que orienta as três fases; e projectivo, pois tem como finalidade reprojectar praxis renovadas e reorientadas (projectar uma praxis mais adequada e actualizada).
Para C. Floristán, este método é uma adaptação campo da pastoral do método de revisão de vida, construindo também o método em três fases elaboradas teologicamente: a kairológica (análise avaliativa das situações concretas), projectiva (enquanto projecção da praxis desejada) e a estratégica (enquanto programação da passagem a efectuar entre as situações dadas e as desejadas.
Esta proposta comporta três novidades históricas: propõe uma metodologia teológica de inicio ao fim; a proposta é inovadora na própria reflexão ao aplicar o conceito de projecto e fazendo do seu carácter projectivo uma dimensão que o integra nas três fases e é uma proposta informalmente pneumatológica. Contudo, peca por ser meramente aplicativo (aplicar teologia).
Outra proposta sobre a metodologia em teologia prática é o método do discernimento teológico pastoral de Sergio Lanza. Ele está convencido que a projectualidade e o discernimento constituem as estradas mestras sobre as quais se dinamiza o renovamento da comunidade cristã. Por isso, desenvolve um reflexão teológica sobre o processo metodológico como “discernimento”. Toda a sua reflexão (e respectiva novidade) visa ser uma porposta à edificação da comunidade cristã.
Neste sentido, ele começa por criticar os métodos pastorais vigentes os quais sofrem de uma utopia tradicionalista, pretendendo reproduzir constantemente o passado, ignorando a novidade, e de uma utopia futurista, desligada do passado. Logo, o método dedutivo e indutivo eram insuficientes e estavam centrados numa ilusão positivista e/ou futurista.
A originalidade do método de Lanza, que está próximo do método projectivo de M. Midali, assenta no discernimento, como uma qualidade específica presente nos três momentos do método, e não em apenas um: análise e avaliação; decisão e projecção; actuação e verificação. Lanza apresenta assim uma teologia do discernimento: o discernimento como uma leitura cristológica (vinculado à sabedoria da Cruz) da realidade sob influxo do Espírito Santo. Portanto, mais do que uma aplicação, assenta na acção e na compreensão.
Relativamente às características deste método, o discernimento compreende a comunhão (o discernimento é um trabalho exercido no dinamismo da comunidade); como acto teologal, o discernimento implica a conversão; e compreende ainda a “maturidade sapiencial”, pois para se discernir é necessária uma atitude profética (que lê num panorama temporal) e sábia (ler em profundidade). Todo o discernimento implica o testemunho da caridade.
No que concerne aos critérios, o discernimento como caminho para a renovação integra os seguintes: o discernimento faz-se no fio de uma memória histórica (é um acto de tradição); há um quadro antropológico-cultural, onde se explica a referência eclesial; está ligado à comunhão e ordenado à edificação comum (perspectiva diaconal e de responsabilidade); é operativo, pelas orientações que fornece, gradual, pois as acções que faz emergir não são automáticas mas de tipo peregrinacional, aberto e dinâmico, na medida em que não cai em absolutos e respeita a liberdade, como lugar criacional.
Quanto às fases, este método engloba cinco “questões”: questão (primária), visa a formulação de questões pertinentes para a projecção pastoral; questão rezada (oração), escutar os apelos de Deus; questão reflectida (reflexão), quer a nível pessoal quer comunitário; questão objectivada (objectivação), que assenta no diálogo e aprofundamento; questão em via de solução (decisão), visa a elaboração do projecto pastoral (objectivos, etapas, actores, meios…).
Copulativamente, a participação é uma masca deste método, pois o sujeito por excelência da acção pastoral é a comunidade. Neste método, a verificação da operacionalidade e dos resultados para aferir a transformação da realidade, constitui um dos momentos imprescindíveis. Aliás, é daqui que nasce o projecto que diz respeito à comunidade e que a edifica: desenvolve nela a corresponsabilidade e sinodalidade, sem as quais não há autêntica construção.
Em suma, nesta proposta ressalta-se a importância de projectar a acção pastoral e de verificar a sua operacionalidade. O discernimento confere a esta proposta a sua originalidade: escuta dos dons em regime de corresponsabilidade e a atitude espiritual e pneumatológica que exige (atitude própria de quem vive na promessa do Reino de Deus).

4.      Diálogo com as Ciências Sociais e Humanas
Uma das marcas do último quartel do séc. XX é o diálogo da Teologia com as Ciências Humanas e Sociais. A Teologia Prática situa-se precisamente no cruzamento entre a Teologia Sistemática e as Ciências Humanas e Sociais.
Na verdade, as ciências mais procuradas foram: Pedagogia e Psicologia, imposto pelas novas dinâmicas pastorais desenvolvidas na catequese e formação do clero e leigos; Antropologia, Sociologia e História, imposto pelos indícios de secularização, que exigiu um estudo da sociedade.
Ora, nesta relação entre a Teologia e tais saberes, podemos apontar três momentos desta relação em Portugal: até aos anos 80, uma relação de cautela e desconfiança; até ao início do séc. XXI, uma relação de alguma canonização dos dados reais que as análises sociológicas faziam transparecer; até hoje, um diálogo inter-disciplinar (relação de parceria).
De facto, a Teologia Prática é o lugar privilegiado do diálogo entre a Teologia e as Ciências. O contributo destas torna-se cada vez mais imprescindível à Teologia Prática: por um lado, não há Teologia Prática sem a inclusão da descrição das situações a um discurso possível; por outro lado, não se consegue estar sem as condições vinculadas à Teologia e à Tradição.
A Teologia Prática é então eminentemente lugar hermenêutico, pois é o lugar da pluralidade de saberes. Como tal, a T. Prática mantém um vínculo essencial com a praxis e desenvolve-se em quatro partes que a estruturam: interpretação da prática, organização da intervenção, planificação, e a reflexão teológica subjacente ao processo.
Consequentemente o diálogo com outros saberes é essencial para se desvendar o sentido de Deus nas situações concretas. Se os momentos metodológicos são três, quatro ou cinco, não é relevante, porque o importante é que não se esqueça nenhum dos dados essenciais: a comunidade e as suas práticas, a leitura crítica inter-disiciplicar e a projecção de situações novas com sentido. Por isso, requer-se um trabalho em equipa.
Relativamente às aportações que as Ciências Sociais e Humanas fornecem à Teologia Prática, podemos referenciar três principais processos/técnicas de recolha de informação (que é diferente de metodologias): biografia, a qual faz referência ao itinerário de vida de uma ou várias pessoas em ordem a analisar o meio social; técnica etnográfica, um processo que visa chegar à percepção das vivências concretas das comunidades (o investigador passa um tempo adequado no campo de investigação, participando nos rituais da comunidade); técnica do estudo do caso, um processo que se centra sobre um caso particular, estudando-o em profundidade. E porque as comunidades eclesiais são organismos dotados de riquezas bem como de fraquezas, estas técnicas podem facilitar o seu conhecimento.
Parte II: Crítica pessoal
 
Depois da leitura do capítulo, podemos resumi-lo no seguinte:
Perante o método dedutivo que vigorou até ao Vaticano II, o qual inscrevia nas práticas concretas a razão teológica das fórmulas dogmáticas, sucede-se o método indutivo, com o Vaticano II, o qual, pelo contrário, parte inicialmente das experiências concretas.
Dado o carácter linear de ambos os métodos (dados teológicos e realidade pastoral), Marc Donzé propõe o método de correlação, no qual articula o método dedutivo e indutivo. Contudo, este método corre o perigo de minimizar ou adaptar os dados teológicos ou os dados empíricos, como afirma M. Midali. Na mesma linha de Donzé, Gagnebin pretende criar um carácter externo à correlação (Espírito), no intuito de haver um método que dê um teor teológico a todo o processo. Na linha da correlação, há a referir os métodos “ver, julgar e agir” (JOC) e o “caminho empírico-crítico”.
Posto isto, M. Midali integra os elementos dos métodos anteriores, conferindo-lhe um carácter projectivo: a projecção como uma dimensão que integra as três fases do seu método (método de teor projectivo). Contudo, este método peca por ser meramente aplicativo.
Na linha de Midali, Lanza crítica os métodos anteriores por sofrerem ou de uma utopia tradicionalista ou futurista. Neste sentido, a originalidade do seu método reside no discernimento, como uma qualidade dos três momentos do processo metodológico. Além disso, uma das características é a participação de todo a comunidade no método (corresponsabilidade) e a verificação. E ao contrário de Midali, este método não se fica pela aplicação, mas é acção e compreensão.
 
Segundo um parecer pessoal, o método de Lanza abala muitos dos nossos programas pastorais, nomeadamente o carácter avaliativo (verificação) que carece neles muitas vezes. Isto é, a programação pastoral não termina com a formulação de orientações práticas, mas precisamente no fim da aplicação dessas orientações, cuja operacionalidade ou não, por sua vez, terá um contributo crucial para a definição do programa seguinte. Mais concretamente, será que nós, responsáveis pela pastoral, temos feito constantemente a avaliação da operacionalidade daquilo que propomos? Além disso, será que damos espaço para que os leigos possam dar o seu parecer pastoral, eles, que além de terem uma sensibilidade pastoral diferente da nossa (logo, enriquecedora), conseguem penetrar mais facilmente na trama da realidade humana (GS 4)?
Aliás, o carácter avaliativo faz com que o método nunca seja fechado, mas cíclico, ou seja, que se renova, e na medida em que se renova com as frequentes avaliações, aperfeiçoa-se à realidade e a sua operacionalidade é mais acertada.
Mas a participação do laicado não deve ser apenas para avaliar a operacionalidade do programa pastoral, mas também para a própria definição do programa pastoral, a qual muitas vezes fica ao critério do pastor. Por isso, não deveria o Código Direito Canónico impor a criação do Conselho Pastoral Paroquial (dando lugar à participação do laicado), em vez de apenas o propor? Será que a nomeação/eleição de delegados de zona, os quais representam os lugares/zonas territoriais de uma paróquia, não colherá outras e mais sensibilidades de leigos, que será importante para a definição das linhas pastorais de uma comunidade? Isto porque, na maioria das vezes, o Conselho Pastoral apenas está representado pelos movimentos da paróquia, não havendo quem represente a sensibilidade de outros leigos (que são a maioria), os quais não se inserem nesses âmbitos associativos.
Copulativamente, achei interessante o facto de o autor referir “Metodologias em Teologia Prática” e não “Metodologias da Teologia Prática”. Na verdade, os métodos da Teologia Prática não são exclusivos, mas sim uma adaptação dos meios/técnicas das Ciências Humanas e Sociais.
Por fim, penso que o texto carece por não haver referências à duração temporal dos métodos (e respectivos momentos), o que no meu entender pode ser importante, na medida em que impede que um método estanque nalgum momento do seu processo.
MITP, José Miguel Cardoso.